“Não acredito em bruxas, mas que elas existem, existem”. Durante muito tempo essa frase valeu tanto no seu sentido jocoso ou meramente expressivo quanto, às vezes (ainda que raramente), em um sentido literal. No Brasil de hoje, dado o fracasso do ensino médio associado ao avanço das religiões sem tradição histórica, isso se perdeu. A juventude de hoje não vê nada engraçado na frase. Não são poucos universitários que não sabem dizer o que indica a palavra “milagre” ou o que realmente diz a palavra “mágica”.
Não é difícil encontrar hoje um jovem que faz o curso de filosofia (até mesmo em uma boa universidade!) e que não sabe as três leis de Newton. Alguns também não sabem dizer quantos satélites Marte possui. Outros não sabem mostrar que figura poderia aparecer num gráfico cartesiano a partir da função f(x) = x-1. A cultura científica básica, que deveria ser adquirida no ensino médio, não lhes é comum. E o pior: eles não podem entender filosofia por uma razão simples; pela falta de cultura do ensino médio, não são poucos os que não sabem o que é uma relação causal e uma relação racional. Explicar Hume para eles? Nem pensar! Quine e Davidson? Só um professor maluco tentaria (ai de mim!).
Poderíamos achar que isso tudo não é bem assim, e que na verdade eles são apenas pessoas que estão de um dos lados daquilo que vários americanos chamam de “as duas culturas”. Ou seja, ao invés de serem estudantes de filosofia que procuraram o curso por conta de curiosidades científicas, são os que vieram tentar filosofar por conta de provocações literárias. Mas isso também não é verdade. O fracasso do ensino médio e o excesso de cultura pela imagem atingiu o alvo: tirou-os da reta de poderem ler um Machado de Assis. Assim, tentar falar da “subjetivação do mundo” para eles e, no meio disso, citar o conto “O espelho”, é perda de tempo. Eles não sabem do que se trata. Só um doido varrido tentaria ensinar Nietzsche ou Foucault para eles.
A cabeça do jovem estudante universitário no Brasil de hoje, não raro, é um caldeirão de cozinhar bobagens. Em alguns casos, se o estudante consome muita droga e fica abobado, isso não o faz diferente do aluno que nem cerveja toma. Ambos não falam coisa com coisa. Alguns podem ser abduzidos por seres alienígenas, outros podem aderir às mais estapafúrdias teorias da conspiração. Há os que se aferram às religiões e rezam para aprender teorias de Diderot (um fervoroso ateu) de modo a “passar na prova”. Tudo isso pode estar enfiado num caldo de antiamericanismo que os leva a pensar e a dizer (com certeza que a imbecilidade permite) que Bin Laden nunca existiu. “A CIA controla tudo e tudo inventa”. E quando dizem isso, sinta-se bem, pois poderiam dizer coisa pior. Poderiam ou, de fato podem, falar que sabem “com absoluta precisão” como que Jesus tirou Lázaro da morte. Eles tomam a religião não como um discurso moral, mas como uma criança de cinco anos de idade da minha geração tomava, como uma descrição da natureza do mundo e coisas assim (as crianças de nove anos já deixavam isso de lado, uma vez que éramos todos católicos e, portanto, naquela época, laicos!).
Isso não é um privilégio do curso de filosofia. Outros cursos possuem esse tipo de aluno saindo pelas tabelas também. Mas há cursostécnicos em que a ciência que os alunos precisam aprender já vem embutida no material que vão lidar. Então, o caos mental em que vivem não atrapalhará o andamento do adestramento que irão receber para ficarem hábeis na manipulação de instrumentos. Agora, nos cursos em que se exige uma mentalidade capaz de lidar com o trabalho da razão, as coisas realmente ficam difíceis. Como colocar um bando de pessoas criadas em uma mentalidade pré-moderna, aquém de poder conseguir perceber o que é uma contradição lógica e o que é uma inferência correta, no domínio de um saber que, sendo universitário, muitas vezes é antes meta-científico que propriamente um discurso científico? Ah, sim, nessa hora, o professor diz: para continuar a tentar ensinar, também eu terei de ficar místico e meio bobo, pois terei de acreditar em milagres. É isso! Salve-se quem puder no areia movediça em que vivemos hoje.
PS: no Twitter um estudante de filosofia de Piracicaba ficou furioso comigo por conta de piadas sobre Deus e Jesus. E quando fiz piadas sobre Zeus, ele me informou que “Zeus não existe”.
Por: Paulo Ghiraldelli Jr., filósofo, escritor e professor da UFRRJ.
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