sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Quadrantes culturais de Santo Antônio/RN: poeta Xexéu e outros artistas locais

Municípios potiguares são ricos de histórias, lendas e personagens. Poetas populares crescem em cada recanto. A geografia, as tradições e as influências do tempo-hoje parecem moldar cada localidade com personalidade e culturas próprias. Em Santo Antônio não é diferente. Lá, a marca maior é a lenda do ‘salto da onça’, que empresta até um sobrenome ao município.
Nas redondezas da região agreste do Estado, existia uma pedra rachada ao meio, com uma fenda medindo aproximadamente três metros. Contam os mais antigos que uma onça foi ferida mortalmente em pleno salto por um caçador, surgindo assim a denominação Salto da Onça, que por muito tempo denominou o povoado.
A pernambucana Ana Joaquina de Pontes comprou propriedade por lá e se estabeleceu com a família, dando início ao povoamento, em 1850. O túmulo da fundadora do município, no entanto, está encoberto por matagal próximo à fenda onde a onça teria dado o salto – hoje um terminal turístico pouco usado pela população da cidade.
Por ocasião da primeira missa do povoado, o Vigário de Goianinha (município do qual Santo Antônio foi desmembrado), Manoel Ferreira Borges, mudou o povoado para Santo Antônio. O acréscimo de Santo da Onça perseverou por força popular, unindo história e religiosidade. Mas oficialmente, o município se chama apenas Santo Antônio.

QUADRANTES CULTURAIS

O repórter viajou até Santo Antônio para atividade outra que não a apuração dos recortes culturais da cidade. Mas pela congruência entre os afazeres foram possíveis alguns registros, imagens e histórias dignas de relato. E se a antropologia desmistifica o fato de uma cultura ser maior do que outra, há na figura do poeta popular Xexeu e na memória do escultor Chico Santeiro, as maiores relevâncias da cultura santoantoniense, que viu nascer também o cordelista Crispiniano Neto. Mas Santo Antônio tem mais:


JAIME DO NASCIMENTO, MESTRE DE BOI DE REIS

O Boi de Reis mora na memória de Jaime do Nascimento, 66, desde a infância. Ele sequer lembra com quantos anos aprendeu. Nasceu junto com ele nas ruas do distrito de Redenção, a poucos quilômetros do centro de Santo Antônio. Na época, o povoado ainda se chamava Gangorra e a brincadeira do Boi era comum por lá. Hoje, está confinada na memória do mestre, já combalida após dois AVC’s, ou na dos dois filhos, Ugo e Igor, de 16 e 13 anos. Ainda mantém a atividade do grupo, composto por doze integrantes, entre novos e velhos. “É difícil reunir todo mundo. O pessoal mora longe. Daqui mesmo, só meus filhos. O contramestre é de Santa Fé, outros dois são de Várzea…”. Jaime lembra poucas cantorias; duas ou três. E o grupo é prejudicado ainda pelo pouco incentivo. A última apresentação do grupo foi em São José do Campestre, ano passado.

JOSEFA ALVES DE LIMA, ESCULTORA
Dona Josefa, 74 pouco ouviu falar de Chico Santeiro. Nem segue o trabalho do maior escultor de maior projeção do Rio Grande do Norte. Sua atividade é com barro, mas relacionado à louçaria. Conjuntos para feijoada, pratos, cumbucas, vasos e toda a sorte de peças utilitárias. A produção é intensa. Segundo ela, uma média de 20 peças ao dia. O material – o barro – ela busca perto do rio, na propriedade de Manoel Emídio. E para moldar, tornear e finalizar o acabamento, usa as mãos e ferramentas rudimentares: uma pedra sabão e uma faca bastante gasta. De resto, é a queima para do produto para por à venda em feiras livres do município.


ESMERILDO VICENTE, ARTESÃO
Artesão nem deu bola à reportagem Esmerildo Vicente, 73, é marido de dona Josefa. Escutava um som altíssimo quando o repórter chegou por lá. Mesmo sob perguntas aos gritos, ele não baixou o som, respondeu algo inaudível e continuou sua atividade concentrada e aparentemente tranquila na confecção manual de tarrafas para pesca – rotina de mais de 40 anos e que lhe rende boa parte do sustento da família. Seu Esmerildo vende cada peça por 200 reais.





AMÉLIA AUGUSTA DA SILVA, A ANCIÃ
Anciã é adjetivo que combina com a idade, mas não com o espírito de dona Amélia. Aos 93 anos, ela parece ainda descobrir a vida. É a mais velha de Santo Antônio. E nada das lembranças infantis das escolas de base ou coisa que o valha. Esta senhora ingressou na sala de aula aos 60 anos. E mesmo concluído os estudos, aqui e acolá, quando está mais disposta, vai sozinha assistir aula só porque gosta. Dona Amélia foi ceramista durante cerca de 30 anos. Tem peças espalhadas pela cidade inteira. Antes, como muitos, o trabalho foi na enxada, na lavoura. Segundo ela, é o que ainda lhe dá força hoje em dia.

SEBASTIÃO INÁCIO DE OLIVEIRA, MESTRE DE BOI DE REIS
“Mestre Tião”, 72, mora na comunidade de Cajazeiras – uma comunidade quilombola distante 6 ou 7 km do centro de Santo Antônio. Ele comanda o tradicional Boi de Reis de lá. Tradição que ficou estagnada no tempo por 40 anos, até que o artista plástico André Raimundo da Silva resolveu bancar o resgate do folguedo ano passado. E em Cajazeiras, a tradição recai também na festa da queima do Boi (o pano, as vestimentas, mas não a carcaça). Acontece sempre em janeiro. Nasceu com a superstição de que se não queimam o boi, alguém do grupo morre naquele ano – e o grupo é formado todo ele por parentes. Foi o que mestre Tião aprendeu com seu pai, Joaquim Inácio de Oliveira.
Adendo: a montanha de feijão escorada na parede da sala da casa de mestre Tião chama a atenção de quem chega. É colheita para “mais de ano”. Já seco ao sol, dali o feijão – branco – é debulhado e armazenado em tonéis de zinco.

CASA DE PEDRA
A Casa de Pedra está situada à margem da BR, em terras da comunidade Jucá dos Clementes, e onde está fincado o assentamento Catolé, com cerca de 25 casas. Diz-se que a casa foi construída toda ela de pedras aparentemente de granito há 250 anos. As informações são poucas a respeito. Apenas que o construtor comprou a área a um pequeno proprietário de nome Luiz Paixão. Hoje, a casa está em ruínas, mas com a fachada em razoável conservação.

Adendo: quem for conhecer cuidado com os maribondos. O repórter levou uma picada enquanto batia as fotos e a orelha está mais vermelha que as muitas acerolas encontradas nas casas rurais do município.

XEXÉU, O POETA POPULAR

José Gomes Sobrinho, o Xexeu, é um caso à parte e merecerá matéria exclusiva neste portal. Mas para integrá-lo ao conjunto de quadrantes, segue outra breve descrição: Xexeu nasceu e vive na comunidade de Lajes. O caminho até sua casa de taipa, construída por ele há 33 anos é uma sucessão de lombadas pela estrada de terra. O acesso é complicado. Por lá ele escreve e ainda trabalha na roça – atividade desde criança. Além de versos que compõem mais de 400 cordéis, também toca rabeca e viola. Conheceu os maiores nomes da cultura nordestina: Patativa do Assaré, Luiz Gonzaga e Ariano Suassuna. Este último se declara fã do poeta popular. Xexéu fuma e bebe, e aos 75 anos tem filhos com menos de 5 anos, feitos “já com água por cima da boca”. Foram 20 ao todo, mas nove já morreram. Diz não ter feito “a matemática” de quantos netos tem. Mas guarda na memória versos de dezenas de estrofes. E ainda se emociona ao recitá-los.


Fonte: portalnoar.com

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