sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

O Mito da Caverna do filósofo Platão e a trilogia MATRIX: O mito que ultrapassou os séculos e que permanece sempre atual na vida humana.

1ª Parte

A trilogia Matrix não será lembrada como um marco no cinema apenas pela tecnologia usada no campo dos efeitos visuais. O enredo do filme – que para muitos é apenas mais uma fita de ação nos moldes de Hollywood – é de uma riqueza simbólica impressionante! Assim que ganhou as telonas do mundo inteiro em 1999, a primeira parte (“The Matrix”) suscitou as mais diversas análises de críticos, psicanalistas e se tornou até mesmo tema de trabalhos acadêmicos aqui no Brasil.
Exemplo disso foi o que fez a amiga e colega de Jornalismo, Steffania Tollomeotti. A sua monografia final de curso foi um estudo bastante oportuno desse filme, que é comparado por ela com o “Mito da Caverna”, esboçado há cerca de 2.400 anos pelo filósofo grego Platão. Ele alerta para o risco do conhecimento humano poder ser usado para camuflar a realidade, ou seja, para enxergarmos o mundo pela ótica da aparência (os sentidos), e não da essência (a razão).
No Mito da Caverna, o filósofo descreve uma situação hipotética em que algumas pessoas teriam passado toda a sua vida dentro de uma caverna, acorrentadas. Iluminados apenas pela luz de uma fogueira, esses prisioneiros viam projetadas na parede as sombras de tudo que passava lá fora. Para eles aquilo era a única realidade. No dia em que um deles consegue se soltar e fugir, a verdade muda de plano. Ele descobre que a realidade é algo completamente diferente de tudo que seus olhos se acostumaram a ver. Deslumbrado, o ex-prisioneiro resolve voltar à caverna para contar aos companheiros o que descobriu. Ninguém aceita a sua versão de mundo.
Steffania encontrou em Matrix um elo com essa famosa alegoria platoniana. A Matrix, descrita no filme, nada mais é do que uma pseudo realidade. No seu enredo um futuro bastante nebuloso aguarda a humanidade, que termina aprisionada por sua própria criação, a inteligência artificial. As máquinas, que criaram a Matrix, inseriram quase todos os seres humanos em uma realidade virtual, onde vivem uma vida que não é, de fato, a sua.
A personagem principal – o hacker Neo (vivido por Keanu Reeves) – é tirada dessa falsa realidade (como a caverna da história de Platão) pelos humanos que escaparam do domínio da Matrix. Um deles, Morpheus (interpretado por Laurence Fishburne), foi apontado no estudo da jornalista como aquele prisioneiro do Mito da Caverna que se vê na obrigação de retornar para avisar aos demais que eles estão sendo enganados; que a realidade é algo totalmente diferente.
Já no primeiro filme da trilogia Neo é convencido de que é muito mais do que um ser humano libertado da prisão criada pelas máquinas. Ele é apontado pelo Oráculo como o Predestinado – ansiosamente aguardado para destruir a realidade virtual e salvar a todos. É possível ver aí nitidamente uma associação com o simbolismo do Messias. Análises por essa vertente dão ao personagem de Keanu Reeves o mesmo papel de Cristo. Isso fica bem claro no segundo filme – “Matrix Reloaded”, pelo menos na perspectiva dos seres humanos que conseguiram se rebelar e se unir em uma cidade construída no centro da Terra. Eles acreditam no poder do Predestinado e em sua missão genuinamente divina.
Psicanalistas fazem outra leitura possível e dizem que Matrix reedita a jornada do herói, um tema que se repete desde os nossos mais antigos ancestrais. Esta jornada, que requer coragem, obstinação e honestidade, é uma espécie de metáfora do processo de crescimento psicológico e auto-realização do ser humano. O herói normalmente precisa abandonar a sua terra, a sua família, as suas certezas em busca de algo muito maior. Ele enfrenta muitos obstáculos e inimigos terríveis; tudo para fazer o bem (normalmente a outras pessoas).
Em Matrix Neo passa por todas as dúvidas quanto a sua condição de Predestinado. Ele sofre, pois precisa mudar a visão que tem de si próprio. A profecia diz que o Predestinado mudará o mundo e salvará a humanidade. Só que a personagem não acredita que seja capaz de tal feito. Numa visão psicanalítica, este é exatamente o segredo para a vitória do herói: para mudar o mundo basta mudar a si mesmo. Do lado de fora da obra cinematográfica, para nós a jornada do herói traz como grande ensinamento o fato de que o nosso destino é realizar o que verdadeiramente somos, mas ainda não aceitamos.


Filosofia




2ª Parte


O Mito da Caverna(Platão)
reprodução
   Platão    (428-347)
O Mito da Caverna narrado por Platão no livro VII doRepublica é, talvez, uma das mais poderosas metáforas imaginadas pela filosofia, em qualquer tempo, para descrever a situação geral em que se encontra a humanidade. Para o filósofo, todos nós estamos condenados a ver sombras a nossa frente e tomá-las como verdadeiras. Essa poderosa crítica à condição dos homens, escrita há quase 2500 anos atrás, inspirou e ainda inspira inúmeras reflexões pelos tempos a fora. A mais recente delas é o livro de José Saramago A Caverna.
A Condição Humana
Platão viu a maioria da humanidade condenada a uma infeliz condição. Imaginou (no Livro VII de A República, um diálogo escrito entre 380-370 a.C.) todos presos desde a infância no fundo de uma caverna, imobilizados, obrigados pelas correntes que os atavam a olharem sempre a parede em frente. O que veriam então? Supondo a seguir que existissem algumas pessoas, uns prisioneiros, carregando para lá para cá, sobre suas cabeças, estatuetas de homens, de animais, vasos, bacias e outros vasilhames, por detrás do muro onde os demais estavam encadeados, havendo ainda uma escassa iluminação vindo do fundo do subterrâneo, disse que os habitantes daquele triste lugar só poderiam enxergar o bruxuleio das sombras daqueles objetos, surgindo e se desafazendo diante deles. Era assim que viviam os homens, concluiu ele. Acreditavam que as imagens fantasmagóricas que apareciam aos seus olhos (que Platão chama de ídolos) eram verdadeiras, tomando o espectro pela realidade. A sua existência era pois inteiramente dominada pela ignorância (agnóia).
Libertando-se dos grilhões
Se por um acaso, segue Platão na sua narrativa, alguém resolvesse libertar um daqueles pobres diabos da sua pesarosa ignorância e o levasse ainda que arrastado para longe daquela caverna, o que poderia então suceder-lhe? Num primeiro momento, chegando do lado de fora, ele nada enxergaria, ofuscado pela extrema luminosidade do exuberante Hélio, o Sol, que tudo pode, que tudo provê e vê. Mas, depois,
reprodução (estátua de Rodin)
   Livre é quem pensa
 aclimatado, ele iria desvendando aos poucos, como se fosse alguém que lentamente recuperasse a visão, as manchas, as imagens, e, finalmente, uma infinidade outra de objetos maravilhosos que o cercavam. Assim, ainda estupefato, ele se depararia com a existência de um outro mundo, totalmente oposto ao do subterrâneo em que fora criado. O universo da ciência (gnose) e o do conhecimento (espiteme), por inteiro, se escancarava perante ele, podendo então vislumbrar e embevecer-se com o mundo das formas perfeitas.








As Etapas do Saber
Com essa metáfora - o tão justamente famoso Mito da Caverna - Platão quis mostrar muitas coisas. Uma delas é que é sempre doloroso chegar-se ao conhecimento, tendo-se que percorrer caminhos bem definidos para alcançá-lo, pois romper com a inércia da ignorância (agnosis) requer sacrifícios. A primeira etapa a ser atingida é a da opinião (doxa), quando o indivíduo que ergueu-se das profundezas da caverna tem o seu primeiro contanto com as novas e imprecisas imagens exteriores. Nesse primeiro instante, ele não as consegue captar na totalidade, vendo apenas algo impressionista flutuar a sua frente. No momento seguinte, porém, persistindo em seu olhar inquisidor, ele finalmente poderá ver o objeto na sua integralidade, com os seus perfis bem definidos. Ai então ele atingirá o conhecimento (episteme). Essa busca não se limita a descobrir a verdade dos objetos, mas algo bem mais superior: chegar à contemplação das idéias morais que regem a sociedade - o bem (agathón), o belo (to kalón) e a justiça (dikaiosyne).

reprodução


O Visível e o Inteligível

reprodução
   No exercício da vida
Há pois dois mundos. O visível é aquele em que a maioria da humanidade está presa, condicionada pelo lusco-fusco da caverna, crendo, iludida que as sombras são a realidade. O outro mundo, o inteligível, é apanágio de alguns poucos. Os que conseguem superar a ignorância em que nasceram e, rompendo com os ferros que os prendiam ao subterrâneo, ergueram-se para a esfera da luz em busca das essências maiores do bem e do belo (kalogathia). O visível é o império dos sentidos, captado pelo olhar e dominado pela subjetividade; o inteligível é o reino da inteligência (nous) percebido pela razão (logos). O primeiro é o território do homem comum (demiurgo) preso às coisas do cotidiano, o outro, é a seara do homem sábio (filósofo) que volta-se para a objetividade, descortinando um universo diante de si.

O Desconforto do Sábio
Platão então pergunta (pela boca de Sócrates, personagem central do diálogo A República), o que aconteceria se este ser que repentinamente descobriu as maravilhas do mundo dominado por Hélio, o fabuloso universo inteligível, descesse de volta à caverna? Como ele seria recebido? Certamente que os que se encontram encadeados fariam mofa dele, colocando abertamente em dúvida a existência desse tal outro mundo que ele disse ter visitado. O recém-vindo certamente seria unanimemente hostilizado. Dessa forma, Platão traçou o desconforto do homem sábio quando é obrigado a conviver com os demais homens comuns. Não acreditam nele, não o levam a sério. Imaginam-no um excêntrico, um idiossincrático, um extravagante, quando não um rematado doido (destino comum a que a maior parte dos cientistas, inventores, e demais revolucionários do pensamento tiveram que enfrentar ao longo da história).





Quais as Alternativas

reprodução (Platão e Aristóteles, detalhe de Rafael)
   A sabedoria deve ser    partilhada
Deveria por isso o sábio então desistir? O riso e o deboche com que invariavelmente é recebido fariam com que ele devesse se afastar do convívio social? Quem sabe não seria preferível que ele se isolasse num retiro solitário, com as costas voltadas para a cidade. Hostil à idéia da vida monacal ao estilo dos pitagóricos, Platão foi incisivo: o conhecimento do sábio deve ser compartilhado com seus semelhantes, deve estar à serviço da cidade. O filósofo cheio de sabedoria e geometria que leva uma existência de eremita, acreditando-se um habitante das ilhas afortunadas, de nada serve. Isso porque a lei não se preocupa em assegurar a felicidade apenas para uma determinada classe de cidadãos (no caso, os sábios), mas sim se esforça para "realizar a ventura da cidade inteira". A liberdade que os sábios (o conhecimento dá aos seus portadores a sensação de liberdade) parecem gozar não é para eles "se voltarem para o lado que lhes aprouver, mas para fazê-los concorrer ao fortalecimento do laço do Estado".

O Governo dos Sábios

reprodução
   O governo deve ser dos    sábios
Platão não ficou apenas na recomendação de que os sábios devem socializar o conhecimento. Ousou ir bem mais além. Justamente por eles, os filósofos, serem menos "apressados em chegar ao poder" (sabendo perfeitamente distinguir o visível do inteligível, a imagem da realidade, o falso do verdadeiro), é que devem ser chamados para a regência das sociedade. A presença deles impediria as sedições e as intermináveis lutas civis internas tão comuns 
reprodução
   O filósofo e o seu    discípulo
entre os diversos pretendentes rivais, "gente ávidas de bens particulares", sempre em luta, divergindo com espadas, na tentativa de ficar com o poder. O governo da cidade cabe pois aos mais instruídos e aos que manifestam mais indiferença ao poder, ainda que seja a característica do sábio "o desprezo pelos cargos públicos", pela simples razão deles terem sido os únicos a terem vislumbrado o bem, o belo e o justo.

Os Dois Mundos de Platão

Mundo visívelMundo invisível
A sua geografia limita-se ao espaço sombrio da cavernaÉ todo universo fora da caverna, o espaço composto pelo ar e pela terra inteira
Caracteriza-se pela escuridão, é um mundo de sombras, de lusco-fusco, de imagens imprecisas (ídolos)Dominado pela claridade exuberante de Hélio, o Sol que tudo ilumina com seus raios esplendorosos, permitindo a rápida identificação de tudo, alcançando-se assim a ciência (gnose) e o conhecimento (episteme)
Nele o homem se encontra encadeado, constrangido a olhar só para a parede na sua frente, ficando com a mente embotada, preocupando-se apenas com as coisas mesquinhas do seu dia-a-diaPlenitude do homem liberto da opressiva caverna, podendo investigar e inquirir tudo ao seu redor conhecendo enfim as formas perfeitas
Homem dominado pelas sensações e pelos sentidos mais primáriosHomem orientado pela inteligência (nous) e pela razão (logos)
Em situação de desconhecimento e ignorância (agnosis)Em condições de cultivar a sabedoria e a busca pela verdade e pelo ideal da junção do bem com o belo (kalogathia)
Condição em que se encontra o homem comumCondição do filósofo



Fonte da 2ª Parte: Educaterra

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