domingo, 12 de fevereiro de 2012

Educação e meio ambiente: um debate histórico


“Educação é uma daquelas palavras cuja dimensão ou abrangência comporta várias possibilidades de compreensão. Portanto, encontrar respostas para os problemas relacionados ao fenômeno educativo não se dá de imediato. Também não é razoável buscar um projeto educacional definitivo, uma vez que a educação é realidade em constante transformação e comporta, em si mesmo, contradições e antagonismos no processo que reproduz ou conserva o que já existe, na tentativa de buscar o novo.

O fato é que a relação entre educação e meio ambiente tem repetido as ligações historicamente construídas entre o homem e a natureza. Desde o século XVIII, a educação “na” natureza e “com” a natureza tem sido proposta por pensadores da educação com grande influência nas idéias pedagógicas das sociedades ocidentais, ainda hoje. Sem querer aprofundar e esgotar o assunto, vale lembrar que as idéias rousseauístas tiveram uma repercussão importante no trabalho de teóricos da educação, cada um ao seu tempo e modo, e abriram caminho para outras formas de pensar a educação com repercussões no pensamento educacional do século XX.

Johann Heinrich Pestalozzi (1746/1827) no século XVIII, por exemplo, foi influenciado pelas idéias de Rousseau. Adepto da educação pública, entendia que a educação poderia mudar a condição de vida miserável da população pobre. Para Pestalozzi a educação deveria ocorrer em um ambiente o mais natural possível, pois acreditava que a criança se desenvolveria mentalmente, através da observação da natureza e da experiência concreta com ela. Esta relação direta com a natureza faria desabrochar a bondade inata do ser humano e tudo o que fosse necessário para o seu desenvolvimento total e perfeito. Suas propostas de atividades educacionais nas diferentes disciplinas visavam sempre o contato direto com a natureza.

Friedrich Fröebel (1782/1852), educador do século XIX, também influenciado pelas idéias de Rousseau e Pestalozzi, desenvolveu sua teoria em pressupostos idealistas inspirados no amor à criança e à natureza. Considerado um clássico da primeira infância, e influenciado por uma perspectiva mística e por um ideal político de liberdade, cunhou o termo “Jardim de Infância” (Kindergarten), onde as crianças – pequenas sementes que, adubadas e expostas a condições favoráveis em seu meio ambiente, (pela professora, a jardineira) faria desabrochar seus interesses, desejos, criatividade e bondade inatas.

John Dewey (1859/1952) considerado o mentor da escola ativa e um dos mais importantes teóricos da educação norte-americana e da educação contemporânea. Propôs uma teoria da educação que se caracteriza por suas origens naturalistas e sociais. Assim, o ser humano como um organismo em interação com o meio ambiente, não poderia conceber a razão como entidade separada da natureza. A educação em Dewey é uma necessidade social e natural. Deu grande ênfase ao conhecimento científico e considerava que o método científico deveria subsidiar o trabalho pedagógico. Suas idéias tiveram grande influência no pensamento de Anísio Teixeira, um dos importantes nomes da educação brasileira. Uma das contribuições de Dewey ¾ muito utilizada, até hoje, principalmente nas propostas de EA ¾ é a do “método de projetos”.

Estes pensadores, entre outros, guardadas as especificidades e diferenças, tanto do contexto histórico em que foram formuladas como de seus pressupostos teóricos preconizaram a utilização da natureza como elemento metodológico e de conteúdo para a educação desde os primeiros anos de vida da criança. Aprender “com” e “na” natureza era um dos princípios fundamentais das concepções de educação; idéias que podem ser encontradas no movimento da educação na década de 20 e 30 do século XX - o ambiente era concebido como natureza – e continuam a permear, às vezes de forma reelaborada, as diferentes propostas educacionais.

No contexto atual com a institucionalização da EA, a relação educação-meio ambiente é colocada novamente em pauta. Nas discussões, decisões e propostas relacionadas com este binômio vem à tona, nem sempre de forma explicita, as concepções ou visões que temos de natureza, de educação, e das relações que os seres humanos estabelecem com ela. Todas estas concepções determinam os diferentes discursos e práticas de EA. Parece óbvio? Pode ser, mas quando são estas concepções que orientam as bases de decisão e opção das “estratégias” educativas, raramente elas são explicitadas ou esclarecidas. Quando a ênfase é colocada na estratégia, existe a tendência de reduzir ao mínimo qualquer análise mais aprofundada sobre a questão. 

No campo específico das discussões da dimensão ambiental na educação, LUCAS identifica nesse processo educativo três dimensões, com características que variam de acordo com os objetivos que se desejam alcançar, ou seja, educação “sobre”, educação “para” e educação “no” ambiente.219 A educação “sobre” ou acerca do ambiente diz respeito àquelas atividades educativas que têm como objetivo proporcionar informações e formação sobre o meio ambiente, visando o conhecimento cognitivo dos seus diferentes aspectos e das relações dos seres humanos com o seu entorno com destaque para os problemas de poluição. Por exemplo, conhecer as influências das atividades domésticas, industriais e agrícolas na qualidade da água, estudo da relação entre vegetação e adubação, manejo adequado do solo, contaminação do lençol freático, entre outros. A concepção implícita nesta proposta é de que os problemas ambientais são causados porque não há conhecimento de como funcionam ou como ocorrem os fenômenos na natureza. O meio ambiente é concebido como um “problema” para ser resolvido, e, ao mesmo tempo, como o suporte da vida que precisa ser mantido. Para SAUVÉ (1997), nesta proposta o meio ambiente é entendido como um lugar para ser gerenciado, e a natureza como um recurso ou um grande armazém genético que precisa ser conhecido para ser cuidado.

Na proposta de educação “no” ou através do meio ambiente, este último é tomado como recurso didático com dupla finalidade: pelo contato direto com o ambiente para investigação e descoberta da “natureza” pela observação, e como objeto de investigação para desenvolver projetos de aprendizagem. Neste caso, são propostos os estudos de campo para observação e apreciação das diferentes espécies da flora e da fauna de uma determinada região, conhecer diferentes tipos de solo; visitas aos parques, zoológicos, trilhas ecológicas, planetários, e outros. O pressuposto nesta concepção é que os comportamentos são motivados pelas nossas emoções e o contato direto com a natureza tem a finalidade de despertá-las, e restabelecer a conexão entre o homem e a natureza. Para SAUVÉ (1997), nesta proposta de “imersão” na natureza está implícita a teoria de que o contato direto re-estabelece o vínculo emotivo com a natureza e promove mudanças de comportamento.

Na educação “para” o meio ambiente, o objetivo está direcionado para a conservação e a melhoria do meio ambiente, entendido como o lugar que nos cerca, aquele em que pequenas ações podem começar a modificar atitudes e formas de relação com a natureza. Alguns educadores defendem que a educação “para” o ambiente representa a parte mais inovadora do processo por pressupor além da aquisição de conhecimentos, o envolvimento emocional e o compromisso para a solução dos problemas. O lema, neste caso, seria educar localmente e agir globalmente, balizada por uma concepção de meio ambiente como “espaçonave Terra” provocada, segundo SAUVÉ (1997), pela globalizaçãodo mercado, da informação e também pela percepção sobre as inter-relações dos fenômenos locais e globais.

O que pretendemos destacar neste item é que a idéia de considerar a natureza como meio a ser reverenciado em face do seu valor educativo é uma constante que se repõe, seja de forma explícita nos programas educacionais ou de forma implícita. No contexto atual, a questão que se coloca é: até que ponto tem-se claro como e no que as questões ambientais em discussão impõe mudanças no conceito de educação e de cidadania?”

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ELISABETH CHRISTMANN RAMOS: "A ABORDAGEM NATURALISTA NA EDUCAÇÃO AMBIENTAL. UMA ANÁLISE DOS PROJETOS AMBIENTAIS DE EDUCAÇÃO EM CURITIBA". (Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas/Doutorado. Centro de Filosofia e Ciências Humanas. Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito parcial à obtenção do título de Doutor em Ciências Humanas.Orientador: Dr. Selvino José Assmann Co-orientador: Dr. Luiz Fernando Scheibe).

Nota:
A imagem inserida no texto não se inclui na referida tese.
As referências bibliográficas de que faz menção o autor estão devidamente catalogadas na citada obra.
Para uma compreensão mais ampla do tema, recomendamos a leitura da tese em sua totalidade.

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