A prefeita de Natal, Micarla de Sousa (PV), foi denunciada ontem por descumprimento de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado com o Ministério Público Estadual (MPE) para pagar um atrasado de R$ 48 milhões oriundos do chamado decêndio (repasse constitucional de 25% da receita para a Educação). A Ação Civil Pública (ACP) foi interposta ontem pela promotora Zenilde Alves e o processo já tramita na 3ª Vara da Infância e Juventude de Natal, que tem à frente o juiz Homero Lechner. A representante do MPE pediu ao magistrado que sejam bloqueado das contas do município o montante total do débito, que gira em torno de R$ 4 milhões. Em agosto deste ano a TRIBUNA DO NORTE já noticiava o desfalque nas contas da pasta e a infração ao art. 212 da Constituição Federal, que estipula o repasse. A promotora Zenilde Alves ressaltou que todas as cautelas foram tomadas, no sentido de buscar uma saída para o problema orçamentário alegado pela Prefeitura, mas como todas elas restaram inócuas se fez necessário a execução do montante pela via judicial.
Júnior Santos
Zenilde Alves entrou com o pedido para a Justiça determinar o resgate dos recursos da Educação
O TAC proposto pelo Ministério Público e assinado pela prefeita Micarla de Sousa; pelo secretário de Planejamento, Fazenda e Tecnologia da Informação (Sempla), Antônio Luna; e pelo procurador geral substituto, Eider Nogueira, previa um parcelamento da dívida em 16 meses. Os pagamentos variavam de R$ 1,5 milhão a R$ 5 milhões e só seriam finalizados em novembro de 2012, no final da gestão da pevista. A Prefeitura, no entanto, só conseguiu cumprir com os dois primeiros meses do acordo. Com início em agosto, foram liquidadas as parcelas daquele mês e a de setembro, o que somou R$ 3 milhões. Procurada pela reportagem, a promotora Zenilde Alves informou que a partir de outubro o repasse "desandou" e por isso decidiu executá-la na Justiça.
Já na primeira reportagem feita pela TN, uma fonte especialista em Direito Constitucional e em Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) afirmava que a improbidade administrativa já estaria configurada naquela ocasião, e já poderia, caso se interessassem os órgãos fiscalizadores, ser alvo de demanda judicial. O caso chamou a atenção do Ministério Público, que após recorrentes tentativas de consenso firmou o Termo de Ajustamento de Conduta. Zenilde Alves informou ainda que encaminhou a documentação a Promotoria do Patrimônio Público, que é a responsável pelas ações de improbidade administrativa.
Quando decidiu procurar a Justiça, a promotora Zenilde Alves se alicerçou na lei municipal nº 5.650, que estipula a destinação de pelo menos 30% dos recursos do orçamento para a Secretaria de Educação (SME), em 2011, e também na Constituição Federal. Não se sabe até agora se o município arcou com as obrigações dos decêndios de cada mês, que deveriam ser pagos paralelamente à soma do TAC, ou se estes também são objeto da Ação Civil Pública. A promotora teve o cuidado de precaver a Sempla - órgão responsável pelos repasses - que além de pagar os decêndios em atraso esta deveria transferir, pontualmente, os recursos do orçamento municipal destinado à SME todos os dias 10, 20 e 30 de cada mês.
Uma outra entidade que já vem de olho na problemática do decêndio é a Câmara Municipal de Natal (CMN). O presidente da Comissão de Educação, Cultura e Desporto, vereador Luiz Carlos (PMDB), disse ontem que os parlamentares da Comissão já aguardavam a denúncia do Ministério Público e que se estuda a possibilidade de utilizar a Ação Civil Pública para pedir oficialmente o impeachment da prefeita de Natal. "Do jeito que está não dá pra ficar", relatou o peemedebista.
Procurador reconhece 'carência financeira '
O procurador-geral do município, Bruno Macedo, revelou ontem que o descumprimento do Termo de Ajustamento de Conduta que tinha por fim a regularização dos repasses do decêndio da Educação foi motivado por uma carência financeira tamanha, que poderia inviabilizar o pagamento da folha de pessoal. "O secretário Antônio Luna [Sempla] nos informou que ou quitávamos os valores do decêndio ou pagávamos os servidores", afirmou o procurador.
Elpídio Júnior
Bruno Macedo informou ao MP sobre dificuldades financeiras
Ele destacou que foi previamente avisado pela promotora Zenilde Alves sobre a Ação Civil Pública interposta ontem. O procurador visitou a representante do Ministério Pública na terça-feira passada ocasião em que detalhou a situação limítrofe das finanças municipais. "O que a gente tem que fazer é reunir esforços para ver o pagamento. Essa questão toda reside em problemas financeiros e orçamentários que precisam ser solucionados", disse ele. Bruno Macedo assinalou que a Prefeitura precisa elaborar um planejamento seguro e viabilizar os decêndios. "Não temos como fazer uma fórmula pronta, mas precisamos sentar e resolver", pontuou o procurador.
Somente nos últimos dois meses a Prefeitura de Natal recebeu R$ 18,6 milhões oriundos de transferências constitucionais da União que repassa recursos do Fundo de Manutenção da Educação Básica e Valorização Profissional (Fundeb). Esses montantes são de uso exclusivo da Secretaria de Educação, mas se constituem insuficientes para atender a demanda da pasta. Por isso, o município tem remanejado verbas da conta única para suprir as deficiências, sobretudo as advindas do decêndio.
Prefeitura cancela contrato com a Oscip De Peito Aberto
A Prefeitura de Natal cancelou o contrato de R$ 942 mil firmado entre a Secretaria Municipal da Juventude, Esporte, Lazer e Copa do Mundo e a Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) "De Peito Aberto". A desistência da parceria foi oficializada no Diário Oficial do Município do último sábado (26), após denúncia de que oito irregularidades haviam sido apontadas pela Controladoria Geral do Município (CGM) e que todas haviam sido desconsideradas pelo secretário da pasta, Rodrigo Cintra.
O documento embora emitido pela CGM em agosto só se tornou público com a comunicação feita pela controladora geral do município, Edmara Gadelha, à Comissão Especial de Inquérito (CEI) que investiga os contratos da Prefeitura Municipal de Natal. No ofício, assinado no dia 9 de novembro, a controladora Edmara Gadelha destaca à CEI que as falhas encontradas no convênio são referentes a "instrução técnica".
Um dos pontos críticos apontados no relatório é a ausência de competitividade para escolher a organização "De Peito Aberto". A Controladoria identificou que não houve competitividade e justificativa plausível para a escolha da referida entidade. Outra falha do convênio está na previsão de pagamento.
Embora o contrato tenha previsão de 12 meses, começando em 17 de junho deste ano até 16 de junho de 2012, os termos da negociação previa pagamento antecipado dos serviços e a quitação completa dos valores ainda em 2011. O pagamento, segundo o secretário de Esporte e Lazer do Município, Rodrigo Cintra, não foram efetuados, porque o convênio está paralisado.
A Controladoria também observou que além de não apresentar um plano de trabalho, o convênio da Prefeitura com a De Peito Aberto também não contemplava cronograma físico e financeiro para as atividades. Em reportagem publicada sexta-feira passada (25), a reportagem da TN constatou que o secretário Rodrigo Cintra tinha, até maio deste ano, relações com a direção da Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) De Peito Aberto, que tem sede em Minas Gerais. A TRIBUNA DO NORTE teve acesso a um e-mail enviado por Rodrigo Cintra para Wenceslau Teixeira Júnior, diretor da De Peito Aberto. Na comunicação, enviada no dia 26 de maio de 2011 à meia-noite, Rodrigo Cintra determina que seja retirado de forma urgente qualquer matéria relacionada a ele do site da Oscip De Peito Aberto.
No dia anterior, 25 de maio, o próprio Wenceslau havia enviado e-mail para Andrea Silveira, responsável pela atualização do site da De Peito Aberto, com cópia para o próprio Cintra, pedindo para ser retirado do "fique por dentro da De Peito Aberto todas as notícias de Rodrigo Cintra". Ele nega a relação com a entidade.
Secretário admite dano orçamentário
O secretário municipal de Educação, Walter Fonseca, reconheceu que o dano orçamentário, advindo dos atrasos dos repasses dos decêndios, é um impeditivo para ações necessárias à pasta. "A verdade é que quando você tem um orçamento e por algum motivo é impedido de executá-lo, certamente benefício não traz", afirmou o secretário.
Mesmo que comedido, Walter Fonseca reconheceu também que a lacuna traz prejuízos, que vão de atrasos no pagamento de pessoal temporário à quitação de dívidas relativas a programas importantes para a Secretaria. Em agosto, ao ser entrevistado pela TN acerca da mesma problemática, o secretário da SME já admitia "ter consciência de que os recursos serão repassados de maneira 'lenta', conforme as condições orçamentárias do município".
A Secretaria de Educação é protagonista recorrente em polêmicas que envolvem más condições de trabalho, conseqüentemente do ensino, sem contar a falta de materiais, merenda escolar, entre outras coisas.
Fonte: Tribuna do Norte
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