Cometi apenas um erro. Não soube ser feliz. Nunca: nem um só
dia, nem sequer uma hora. A própria criação, um prazer para os poetas mais
sensíveis, foi para mim sempre mais angustiante que redentora. A causa primeira
do meu infortúnio, conheço-a agora. Tive sempre medo da vida. De uma
sensibilidade exacerbada e doentia desde a mais tenra infância, atormentada e
mortificada até a exaustão pelo infortúnio e pela miséria, a vida banal, as
realidades quotidianas constituíam para mim uma fonte constante de terror.
Tinha a impressão de viver continuamente suspenso no limite de dois reinos —
ser uma criança semimorta unida em laço misterioso a um espectro nostálgico. A
criança tinha medo da treva; o espectro da luz. Uma e outro aspiravam à morte
e, simultaneamente, receavam-na. A vida era para mim aborrecimento, alucinação,
condenação. Cada vez que eu tentava reconciliar-me com ela, saía maltratado,
repelido. Fazia-me o efeito de um anjo que pretendesse participar num banquete
de monstros. O próprio amor não logrou salvar-me porque a mulher é uma das mais
perfeitas encarnações da vida, e eu tinha da vida um indizível terror. Todas as
mulheres que julguei amar ou fugiram de mim, ou estão mortas. Uma vez mortas, e
só então, elas pareciam realmente minhas amantes na eternidade, as únicas que
poderiam amar um homem segregado da vida. Para escapar às minhas visões
terrificantes, aos meus pesadelos, às tentações de minha razão delirante, um
gênio forçava-me a escrever, senhor mais titânico e exigente que um demônio.
Escrevi, pois, toda a minha vida poemas, narrativas, contos, tratados, ensaios.
Porém, mal experimentava a ilusão de pela poesia ter exorcizado a perseguição
dos meus pavores, logo outras alucinações, outros pesadelos, outras bizarrias
macabras e fúnebres assaltavam sem trégua a minha pobre alma acabrunhada.
Então, como última esperança do meu desespero, buscava socorro no álcool, que,
aliás, abominava.
*Revista Literatura. São Paulo: Escala Editorial, 2009, n.º 23, p. 45 (com adaptações).via saraswatti-textos
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