sexta-feira, 2 de setembro de 2011

ISRAEL (Sozinho no deserto)



Cada vez mais Israel apresenta-se ao mundo como um ponto isolado pelas tensões no Oriente Médio. Após ver um importante aliado, Hosni Mubarak, garantidor da estabilidade da fronteira do Egito com Gaza e, consequentemente, da manutenção do bloqueio ao território palestino, ser deposto pela Primavera Árabe, a Turquia decidiu rebaixar as relações diplomáticas com o estado judeu e expulsar seu embaixador de Ancara. Gabby Levy, embaixador israelense na capital turca, recebeu a notícia quando estava em Israel e cancelou seu retorno à representação.


A razão é o conflito diplomático entre os dois países que se estende há 15 meses, quando forças especiais israelenses interceptaram barcos que compunham uma frota humanitária com o objetivo de furar o embargo a Gaza. Na operação militar, noves pessoas morreram, sendo oito cidadãos turcos e um norte-americano de origem turca.
A decisão ocorre após a divulgação do teor de um relatório produzido pela Organização das Nações Unidas (Onu) sobre a ação militar, de maio de 2010. Nas cerca de 100 páginas, o informe, assinado pelo ex-primeiro-ministro da Nova Zelândia, Geoffrey Palmer, e com colaboração do antigo presidente colombiano Alvaro Uribe, classificou de “excessiva e desproporcional” a abordagem da frota pelos israelenses. O texto afirma que há provas forenses indicando que a maioria dos mortos recebeu vários disparos, inclusiva pelas costas e à queima-roupa. As informações batem com o relatado por ativistas presentes nas embarcações, que alegaram terem presenciado uma pessoa sendo morta após se render e uma outra abatida à queima-roupa ao registrar a operação. Além do mais, a ONU concluiu que os passageiros detidos sofreram “maus-tratos físicos e intimidação” e tiveram bens “injustificadamente” apreendidos.
Com o anúncio feito pelo ministro turco do Exterior, Ahmet Davutoglu, as relações entre as duas nações foram rebaixadas à segunda secretaria diplomática – uma das mais baixas categorias. Deste modo, todos os funcionários turcos na representação em Israel com cargos superiores retornarão a Ancara, inclusive o embaixador. O mesmo vale para os funcionários israelenses. Ficam também suspensos todos os exercícios militares conjuntos entre as forças israelenses e as da Turquia. O relatório, esperado para ser divulgado ainda nesta sexta-feira, foi obtido previamente pelo The New York Times.
“O objetivo não é danificar nossa amizade, mas recolocá-la no caminho certo”, afirmou o chanceler turco. “Israel, na realidade, ignorou as chances que lhe foram dadas e o governo israelense, por outro lado, se vê acima das leis internacionais e da consciência humana”, complementou, referindo-se a exigência da Turquia de que Israel se desculpasse formalmente pela ação ilegal em águas internacionais. Jerusalém, ao longo dos últimos meses, negou-se a apresentar essas desculpas sob o argumento de que o confronto foi um ato de defesa dos soldados israelenses diante da hostilidade dos ativistas. O governo de Israel estaria disposto manifestar-se apenas lamentando o ocorrido e pelo pagamento de compensações financeiras às famílias dos mortos. A publicação do relatório da Onu foi adiada por diversas vezes na expectativa de que os dois países alcançassem um acordo, o que não aconteceu.
Para funcionários do governo de Israel, que falaram sob anonimato ao The New York Times, o anúncio da Turquia traz mais consequências políticas e simbólicas do que práticas. Isso porque os exercícios militares conjuntos decaem ano a ano desde 2009, quando a Turquia redirecionou sua política externa em direção a parceiros não tradicionais, principalmente no oriente. “Minha opinião é que não há muito a suspender nesse sentido”, disse ao diário nova-iorquino uma fonte ligada à Jerusalém.
O relatório parece ter azedado – pelo menos por um bom tempo – as relações entre Israel e o país que um dia fora seu mais importante (e único) aliado no mundo muçulmano. Entretanto, certamente o teor do relatório em muitas partes faz com que a balança penda para o lado de Jerusalém. Em primeiro lugar, o documento classificou o bloqueio ao território palestino de “legal e apropriado”, visto que “o país enfrenta uma ameaça real contra a sua segurança por parte de grupos milicianos de Gaza”. Nesse sentido, os autores concluíram que o bloqueio “é uma medida de segurança legítima para evitar que entrem armamentos por água em Gaza”. O não reconhecimento da legalidade da medida poderia inflamar declarações de outros países críticos ao embargo às vésperas de uma possível votação na Assembleia Geral da Onu pelo reconhecimento do estado da Palestina. “Eu acredito que a única coisa positivo que eles (Israel) podem tirar disso é que o documento declarou o bloqueio legal”, informa o correspondente da Al Jazira em Jerusalém, Cal Perry.
O texto também defendeu que os oficiais israelenses, ao abordarem a Flotilha da Paz, encontraram “resistência violenta e organizada de um grupo de passageiros”, o que justificaria o uso da força pelos soldados em autodefesa. Entretanto, a ocorrência de vítimas fatais é inaceitável, diz a Onu.
O ministro do Exterior da Turquia rebateu o conteúdo do relatório e disse que seu país não reconhece a legalidade do bloqueio a Gaza. Ele também informou que o governo turco tomaria todas as medidas necessárias para garantir a liberdade de navegação no Mediterrâneo Oriental, sem explicitar se isso implicaria no deslocamento de parte da frota militar turca à área. Já o primeiro-ministro Reep Tayyip Erdogan disse que o retorno do embaixador israelense a Ancara está diretamente relacionado ao fim do bloqueio a Gaza.
imagem ilustrativa

Fonte: CartaCapital       Ricardo Carvalho
2 de setembro de 2011 às 15:30h

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