Israel até tentou, mas não conseguiu convencer o Brasil a não apoiar o reconhecimento do Estado palestino na Assembleia Geral da ONU na próxima semana, admite o cônsul-geral do país em São Paulo, Ilan Sztulman.
Em entrevista à Folha, ele também criticou o fato de seus aliados na Assembleia terem o mesmo peso de qualquer outro país. "Sempre vamos ter uma minoria".
Folha - Qual a expectativa de Israel em relação à votação para o reconhecimento do Estado palestino na ONU?
Ilan Sztulman - Esse movimento palestino de levar o assunto para a ONU é algo muito ineficiente e que não toca a raiz do problema. O Estado de Israel não se opõe, em princípio, à existência de um Estado palestino, mas sim à tentativa de criá-lo com uma decisão unilateral, sem falar conosco. É como se você quisesse reconciliar um casal que decidiu que vai resolver junto o problema com uma ordem de alguém de fora da família. A única forma de resolver o conflito Israel-palestinos é com negociações diretas. Essa declaração unilateral vai violar e destruir todo o processo que fizemos até hoje: os acordos de Oslo [1993], de Camp David [2000], o Mapa do Caminho [2002]. Os resultados podem ser muito negativos.
Para Israel, muda alguma coisa a Palestina se tornar Estado membro ou não-membro da ONU?
Não, a diferença é técnica, dentro do fórum da ONU. Mas, na minha opinião, vai ser quase uma afronta para o status de instituição da ONU reconhecer um estado que terá como ministros terroristas declarados, que nem reconhecem a ONU. E depois que a ONU reconhecer? Vai mudar alguma coisa no campo? Só vai deixar os palestinos mais frustrados, porque se eles não sentarem outra vez com o governo de Israel, não vai acontecer nada.
Os palestinos alegam que a partilha da Palestina, em 1947, levou apenas à criação de Israel, e que essa é a hora de reparar isso.
Os palestinos têm uma tendência a concentrar todas as negociações e os movimentos em 40 anos atrás, e ficar discutindo quem tem ou não razão. Nós não queremos entrar nessa dinâmica. Queremos sentar --estamos em 2011, com uma realidade formada no Oriente Médio. O nosso primeiro-ministro já declarou claramente que é a favor da existência de um Estado palestino ao lado de um Estado judeu. A questão é muito pragmática: querem fazer um Estado palestino? Então vamos sentar e negociar até sair o Estado.
Se Israel não se opõe ao Estado palestino, qual o problema de que ele seja reconhecido pela ONU?
Temos alguns assuntos que são básicos e que devem ser negociados. Nós queremos ter o direito de ser reconhecidos como o Estado do povo judeu. Em segundo lugar, queremos garantir que esse Estado [palestino] não será um novo Líbano ou uma nova Gaza, e que vai ameaçar a vida dos nossos cidadãos. Em terceiro, queremos o fim do Estado de guerra com os palestinos e o fim de todas as suas demandas. Não vamos poder aceitar dentro do Estado de Israel 3 milhões ou 4 milhões de refugiados que eles dizem que querem voltar.
O que atrapalha hoje a volta à negociação?
Temos todo o interesse na paz. Mas toda a vez que chegamos em uma encruzilhada, onde líderes palestinos precisam tomar decisão, eles nunca conseguem. Nós congelamos as construções para negociar e eles não vieram. A nossa mensagem é: deixem de lado esse lance de quem é a culpa e venham sentar conosco, sem pré-condições. Não somos mais crianças de jardim de infância para ir reclamar com alguém de fora sobre o que o outro fez.
Israel tentará algum movimento de aproximação com os palestinos até a Assembleia Geral?
O Estado da Palestina está metade pronto, temos laços econômicos com eles. Eles estão construindo uma cidade inteira, Rawadi, inclusive com a ajuda de Israel. Nós temos todo interesse econômico, político [no Estado palestino], imagina o que gastamos de segurança. Nós somos vizinhos nessa terra, o nosso destino é viver juntos, porque o Estado judeu vai continuar existindo e o Estado palestino --com a ajuda de Deus e um pouco mais de esperteza dos palestinos-- também vai acontecer.
Israel tem feito campanha para evitar a votação na ONU?
Tentamos convencer os nossos amigos, inclusive o Brasil. No último ano, tivemos a visita de dois vice-primeiros-ministros, da ministra da Agricultura, do ministro do Comércio, do ministro das Finanças, do rabino-chefe de Israel. Tudo isso faz parte não de uma campanha, mas de conversas entre amigos para tentar convencê-los a mudar a opinião. Acho que não conseguimos. O governo brasileiro já reconheceu o Estado palestino e vai provavelmente apoiar [o reconhecimento na ONU].
Também temos um ponto fraco na ONU porque cada país tem um voto na Assembleia Geral --não é segundo o tamanho, a importância ou a relevância do país, como no Conselho de Segurança. Ali sempre vamos ter uma minoria. E é muito difícil convencer quem está de fora, porque quando você está longe e não tem contato com esse mundo, a sua percepção é muito diferente.
Isso ocorre com o Brasil?
Não posso dizer que tem uma percepção incorreta, porque isso é subjetivo. Mas quando veem as coisas de perto, as pessoas mudam sua perspectiva, e por isso sempre convidamos os ministros e o governo brasileiro para visitar Israel. O governo brasileiro vê o assunto palestino, o assunto iraniano de forma diferente do que nós e os nossos amigos vemos. Nós não concordamos, mas isso não quer dizer não respeitamos sua posição e seus esforços de alcançar a paz.
Qual postura vocês esperam da presidente Dilma no discurso de abertura?
A nossa expectativa é que as nossas relações continuem se aproximando cada vez mais. Reabrimos um consulado em São Paulo que estava fechado há quase oito anos, e fizemos isso no governo Lula. Nossas relações comerciais estão crescendo cada vez mais. Nos últimos meses, tivemos vários eventos que tiveram brasileiros em Israel, como a visita do Roberto Carlos, uma visita de empresários de alto nível. Temos, como todos os bons amigos, pontos em que discordamos. Mas isso não quer dizer que não somos amigos.
As recentes ações de Israel contra a Turquia e o Egito causaram um isolamento diplomático?
Não. O que está acontecendo na Turquia e no Egito são processo sociais internos, como o que ocorre na Líbia, na Síria. Não tem nada a ver conosco.
Mas as reações nesses países foram em resposta a ataques de Israel que causaram mortes em um navio de bandeira turca e de soldados egípcios.
Nós achamos que não. A comissão da ONU, que não tinha nada a ver com Israel nem com os turcos, e chegou à conclusão de que Israel tinha o direito de fazer o cerco à Gaza, porque eles estão cometendo atos terroristas contra cidadãos israelenses, e que temos o direito legal de parar a entrada de armas. Os turcos também fomentaram essa flotilha, incentivaram.
Mas o fato de nós, com nosso direito legal, pararmos esse grupo --e, infelizmente, eles atacaram e nós reagimos-- é razão para acabar com todas as relações com o país? A mesma coisa com o Egito: nós não rompemos a relação. O que aconteceu [o ataque de manifestantes contra a embaixada israelense no Cairo] foi fruto de um grupo organizado, não do governo ou do povo egípcio. Esse grupo está interessado em criar um outro Oriente Médio, não está interessado em democracia. Você tem crises entre amigos, mas depois você senta e faz as pazes.
Fonte: UOL.COM
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