A Rosinha, o mandacaru, o jiló, o ovo da codorna, o assum
preto, o acauã, o alazão. A lista é longa porque o universo de Luiz Gonzaga é
feito não só de muita coisa que o Nordeste tem, mas de todo o sentimento que
sua gente pode despertar.
Não à toa, o pernambucano de Exú, que completou 100 anos na
quinta, é uma das maiores lembranças que se tem não só do sertão, das festas
juninas e dos salões de dança, mas da gama de emoções que eles trazem. A dor da
seca, a cor da cultura popular, a alegria do baião e o amor da vida.
Ele estourou a partir de 1946. Neste ano lançou uma de suas
mais emblemáticas canções: 'Baião'. No ano seguinte pôs na rua 'Asa Branca',
até hoje seu maior sucesso.
O Rei do Baião não inventou o gênero que lhe alcunhou, mas
fez com que ele ganhasse o mundo. "O baião já estava nos repentistas
nordestinos. O que o Gonzaga fez foi trazê-lo para a cena principal. Ele
cristalizou um baião que era variado e conseguiu o mérito de ser o músico que
acabou concentrando variedade de estilos e gêneros musicais das regiões
nordestinas", explica o professor da Unesp e pesquisador Alberto Ikeda.
Com parceiros como Zé Dantas e Humberto Teixeira, ele criou
clássicos que transcenderam os limites de tempo e espaço e ainda hoje pairam
nas cabeças, nos corações e nos ouvidos de muitos. "Gonzaga era mais
músico e instrumentista. Os textos e a produção com maior sentido crítico
estão, sobretudo, em Humberto Teixeira e Zé Dantas", diz Ikeda. Canções
como 'Xote das Meninas', 'Sabiá', 'Riacho do Navio' vêm do lado de Dantas.
Teixeira assinou com pernambucano temas como 'Qui Nem Jiló', 'Assum Preto' e
'Asa Branca'.
Progressivamente relegado pelo sucesso do rock e da Jovem
Guarda a partir dos anos 1950, Gonzagão foi resgatado principalmente por
figuras como Caetano Veloso e Gilberto Gil, que durante o tropicalismo botaram
no mesmo caldeirão e em pé de igualdade gêneros de todo o canto do País. De lá
até aqui, Luiz Gonzaga permanece dono do cetro e da coroa da sua canção. Não há
quem possa enterrar o mestre.Talvez isso um dia aconteça, mas só quando o
sertão virar mar. Porque se o mar virar sertão, é capaz que ainda lá continue
reinando o Rei do Baião.
Legado de
Gonzagão
"Era uma festa. Quando o Gonzagão chegava, era forró a
noite inteira, de tocar até rachar", diz Sapopemba. O alagoano de Penedo,
que se chama José Silva dos Santos, e hoje mora em Santo André, já viu muito
Luiz Gonzaga tocando. Em palcos pelo Sudeste ou em carroceria de caminhão na
sua terra natal.
Mestre Sapopemba, que é um compêndio sobre cultura popular,
sabe muito de muita coisa de música, mas é do Rei do Baião que ele sabe mais,
sente-se mais próximo e à vontade para conversar. Para ele, é porque o músico
lhe faz as vezes de olhos, mãos, narinas, bocas, ouvidos e saudade. Gonzagão
canta sobre o que ele viu, viveu e sente. É só olhar para o Rio São Francisco
que seus olhos se enchem de lágrimas, lembranças da mãe lavadeira, do pai
pescador e das dádivas que o rio traz.
"Nordestino antes dele era tudo baiano para os outros.
A partir dele é que se vê o Nordeste por outro prisma. Ele canta a trajetória
trascendente do nordestino", acha Sapopemba, que desde o ano passado segue
cantando em show dedicado ao pernambucano.
Privilégio teve o xilogravurista Jerônimo Soares. O
paraibano de Esperança, hoje radicado em Diadema, tocou sanfona por 35 anos.
Depois se lançou às artes plásticas e "deu mais certo". Ele chegou a
tocar uma vez com Gonzaga na extinta Rádio Mayrink Veiga, no Rio de Janeiro.
"Era simpático, conversava com todo mundo. E vivia só com a sanfona",
conta Soares, que sem saber ler e escrever compôs 12 canções que até hoje
guarda na memória. E que têm um quê da influência do mestre, com variedade que
passeia pelo xote, xaxado, baião e marcha. "Para mim é só ele mesmo. E o
Roberto Carlos."
Narciso Virgínio da Silva, o Lagoa, de Viçosa, Alagoas,
sanfoneiro autodidata que toca ao lado de Sapopemba, começou a tocar por causa
do 'Rei do Baião'. Era criança e o pai, apesar dos apelos, não o deixava tocar
na sanfona. Foi quando ele tomou coragem, pegou o instrumento e ensaiou uma ou
outra nota tal qual havia visto outra pessoa tocar. O pai chega, e, ao invés da
coça, lhe dá um sorriso. Não é que o menino levava jeito para a coisa? Tanto
que segue tocando até hoje, profissão que ele divide com o serviço de segurança
em comércio andreense.
Sem titubear, ele diz que o que mais sua sanfona sabe vem da
fonte de Gonzagão. Também sem pensar, ele diz que não há nada parecido nem tão
bonito quanto tudo que diz e toca o músico. "Esses forrós de hoje são
todos esculhambados, de pé quebrado. Ele fez sucesso mesmo no tempo em que as
pessoas eram mais religiosas porque suas músicas não são de duplo sentido. Ele
fala dos animais, dos santos, da natureza e dos homens", diz Lagoa.
"O meu pai me deu educação. O Gonzaga, a alegria", completa.
Conforto é onde se recosta Eduardo Vieira da Silva quando
ouve o Rei do Baião. Ele, que nasceu no Piauí e hoje tem uma ‘casa do Norte' em
São Bernardo, cada vez que se depara com uma canção do forrozeiro se sente como
se tivesse em casa. "Ele levou a nossa música para todos os cantos do
País. Para mim, o que ele mais ensinou foi a qualidade de ser humano, simples e
humilde como ele era e ainda são suas canções", acredita ele.
"Antes de qualquer coisa, ele era revolucionário",
comenta Sapopemba. "Apesar de toda essa luta, o Nordeste continua do mesmo
jeito. E para pior, porque não existiu mais ninguém igual ao Gonzagão",
emenda Lagoa.
Thiago Mariano
Do Diário do Grande ABC
Luiz Gonzaga: características empreendedoras
Aproveitando
a comemoração de 100 anos do nascimento do nosso Rei do Baião, este blog faz
sua homenagem destacando características do comportamento empreendedor deste
grande músico brasileiro chamado Luiz Gonzaga do Nascimento, nascido no dia 13
de dezembro de 1912, na cidade de Exú/PE, no sertão do Araripe (630 km do
Recife).
Persistência
Depois de nove anos servindo nas Forças Armadas, Luiz Gonzaga
chega ao Rio de Janeiro disposto a pegar o navio rumo ao Recife, e dali
retornar à sua terra natal. Com 27 anos, sem formação profissional, ele mudou
de ideia. Decidiu arriscar e tentar ganhar a vida como músico, tocando sua
sanfona de 80 baixos em bares da zona portuária. Ele imitava os artistas de
sucesso do rádio, tocando tango, bolero, valsas. Participava de programas de
calouros nas rádios, um deles comandado pelo autor de Aquarela do Brasil, Ari
Barroso. Recebia nota 2 ou nota 3. Até que um grupo de universitários cearenses
o questionou: “Você com essa cabeça chata, tocando música de gringo? Você não
disse que era de Pernambuco, por que não toca umas coisas de lá?”. Lembrou-se
das músicas que aprendeu com seu pai Januário, músico e consertador de fole de
8 baixos. A ficha caiu. Voltou ao programa de Ari Barroso tocando Vira e Mexe,
um “tema do Norte”. Tirou a nota máxima e recebeu um prêmio de 150 mil réis.
Pouco tempo depois assinaria contrato com a RCA para “serviços artísticos de
solista de sanfona”.
Exigência de qualidade e eficiência
“Ele (Luiz Gonzaga) criou formas novas e adequadas a um público
que comprava discos. Ele foi o cara que, no seu tempo, mais e melhor explorou a
riqueza possível dos novos meios técnicos. Ele inventou uma forma de conjunto,
um tipo de arranjo, um uso do microfone, ele sugeriu uma engenharia de som.
Luiz Gonzaga – como Roberto Carlos – mereceu sua coroa de rei. E a honrou”
escreveu Caetano Veloso em carta ao Pasquim em 1970. A formação do trio pé-de-serra
(zabumba, sanfona e triângulo) foi uma invenção de Luiz Gonzaga, conforme
relatou a Dominique Dreyfus: “Eu, no início da minha carreira, tocava sozinho…
Só depois é que precisei de uma banda. Primeiro eu botei o zabumba me
acompanhando. Mais tarde, numa feira no Recife, eu vi um menino que vendia
biscoitinho, e o pregão dele era tocando triângulo. Eu gostei, achei que daria
um contraste bom com o zabumba, que era grave… O que eu criei foi a divisão de
triângulo como ele é tocado no baião. Isso aí não era conhecido.”
Persuasão e rede de contatos
O empreendedor utiliza pessoas-chave como agentes para atingir
seus próprios objetivos. Luiz Gonzaga era um ótimo intérprete, mas precisa de
um compositor para criar a obra musical. “Eu nunca fui nem compositor nem
letrista. E sempre fui muito dependente de um bom poeta. Eu não gosto de fazer
uma música do início ao fim, e as poucas que eu fiz não se deram muito bem”
confessou o Rei do Baião a Dominique Dreyfus. Sua contribuição na composição
era dar o mote, sugerir um ritmo ou uma melodia. Ele teve importantes parceiros
ao longo da vida, principalmente o advogado cearense Humberto Teixeira (Asa
Branca) e o médico pernambucano Zé Dantas (Xote das Meninas). Em muitas das
parcerias, Luiz Gonzaga entrava só com o nome. Esse foi o motivo pelo fim da
parceria com Humberto Teixeira, que era especialista em direito autoral. Mas
ele gravava a música mesmo que o autor não aceitasse registrar a parceria, como
é o caso da clássica A Feira de Caruaru, de Onildo Almeida.
Estabelecimento de metas
O empreendedor estabelece metas e objetivos que são desafiantes e
que tem significado pessoal. Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira deflagraram o
baião e outros ritmos nordestinos que receberiam o termo genérico de
forró. Em 1945 Luiz Gonzaga estava decidido de que a “música do Norte”
seria sua chave para o sucesso no Sul. Então ele foi ao escritório de advocacia
de Humberto Teixeira, no centro do Rio de Janeiro, conforme conta Humberto
Teixeira em depoimento a Miguel Ângelo de Azevedo: “Aí ele me falou da ideia de
deflagrar a música no Norte nos grandes centros… Naquele dia nós chegamos a
duas conclusões muito interessantes. Uma delas é que a música ou o ritmo que
iria servir de lastro para nossa campanha de lançamento da música do Norte, a música
nordestina no Sul, seria o baião.” Três dias mais tarde, eles terminariam a
música-manifesto daquele movimento que estavam deflagrando – Baião – sucesso
instantâneo no Brasil inteiro gravado em 1947.
Músicaltda
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