Fonte do vídeo: (freemake.com)
O apelo do
concriz (João Gomes Sobrinho – Xexéu)
O homem quer liberdade
Para viver satisfeito
Pois de maneira nenhuma
Abre mão desse direito
Quem sabe se os passarinhos
Não pensam do mesmo jeito.
Os versos que eu tenho feito
De minha propriedade
Eu agradeço ao meu pai
Porque me deu liberdade
Deu assistir cantadores
Na minha comunidade.
Minha sensibilidade
Jamais consegue olvidar
Das noites que assisti
Nestor Marinho cantar
Representando a cultura
Do povo do meu lugar.
Onde aprendi manejar
Enxada, foice e machado
Ler escrever e contar
Mesmo sem ter estudado
Tocar viola e cantar
De repente improvisado.
De pensamento voltado
Pra Divina Providência
Envio a minha mensagem
Recebo a correspondência
Rima, métrica e oração
Ritmo, compasso e cadência.
Quem me deu inteligência
Foi quem deu aroma a flor
É quem faz a noite calma
Banhar com lágrimas de amor
As pétalas da rosa virgem
Do jardim do Criador.
É onde o trovador
Quanto mais ver mais aprende
No altar da matutina
De onde a lua depende
Desenha quadros poéticos
Que só o poeta entende.
Os nativos compreendem
A orquestra matinal
Dos músicos da natureza
Nas frondes do vegetal
Louvando o nascer do dia
Num coreto angelical.
Complementa o musical
O belo galo campina
Na copa do juazeiro
De vez em quando clarina
Embelezando o cenário
De uma manhã nordestina.
Sobre as flores da campina
Pode se observar
Os casais de bem-te-vis
Trocando beijos no ar
Mostrando a Deus e o mundo
Que faz amor sem pecar.
Quando não que mais voar
Sobre as flores do vergel
Nas sombras do arvoredo
Conjuga o amor fiel
Sem gastar com camisinha
Nem horário de motel.
Representa no painel
Como manda o figurino
Com a decência dos trajes
E a composição do hino
Exibe um filme modelo
No cinema matutino.
Num feriado junino
Fui declamar num festim
Vi um concriz na gaiola
Cumprindo pena sem fim
Quando me viu começou
Cantar suplicando assim.
Xexéu tenha dó de mim
Já que você tem noção
Entende bem o que eu digo
Na voz da minha canção
Em nome da liberdade
Me salve dessa prisão.
Eu não entendo a razão
Mas você é sabedor
Que eu cai por inocente
No laço do predador
Só pelo simples motivo
De ser um bom cantador.
Ausente do meu amor
Não sabe o quanto padeço
Essa comida eu não gosto
Essa água eu aborreço
Longe dos meus conhecidos
Perto de quem não conheço.
Nem quando cochilo esqueço
Da floresta que eu vivia
Da fruta fresca no pé
Que eu beliscava e comia
Mais a minha companheira
Na fonte clara eu bebia.
Sozinho nessa enxovia
Pensando na minha gata
Talvez essa hora esteja
Fazendo queixa a cascata
Que minha beleza está
Fazendo falta na mata.
Desse gaiola barata
Para o convívio do mato
Posso voltar algum dia
Quando um poeta sensato
Através da minha voz
Compreender o meu relato.
Xexéu publique um boato
Da minha situação
Fazendo verso capaz
De sugerir emoção
É essa a única esperança
Da minha libertação.
Quando ouvi a petição
Do concriz na soledade
Lembrei de mim que também
Choro lágrima de saudade
Porque perdi para sempre
Quem consagrei amizade.
Sinto na realidade
O quanto o amor é doce
Que a minha esposa morreu
Mas o amor entranhou-se
Continua no meu peito
Com se viva ela fosse.
Hoje eu sou como se fosse
Um jangadeiro sem norte
Naufragado e sem destino
Aguardando um vento forte
Sacudir minha jangada
Sobre o rochedo da morte.
Ainda tenho por sorte
O som que a rabeca faz
Quando lhe abraço sentido
Saudades sentimentais
Dos tempos saudosíssimos
Que morro e não vejo mais.
O concriz vivia em paz
De repente foi traído
Hoje suplica sozinho
Numa gaiola detido
Sem tirar a sua amante
Um segundo do sentido.
A quem tinha lhe prendido
Eu perguntei pra saber
Se você tivesse preso
Longe do seu bem querer
Cantava por trás das grades
Saltitante de prazer?
Ele não quis responder
Eu fui me adiantando
Aquela cantiga dele
É o coitado exclamando
E o carcereiro imbecil
Não está interpretando.
Vi seus olhos marejando
Como agente quando chora
Sentindo a dor da saudade
Que seu coração devora
De quando voava livre
Cantando feliz na flora.
Tem gente que ignora
A saudade de quem ama
Pergunte a um cidadão
O que ele sente na cama
Longe da mulher amada
Que lhe puxava o pijama.
Fiz uns versos pra o IBAMA
Do jeito que eu muito quis
O IBAMA veio urgente
Pelo apelo que eu fiz
Arrebentou a gaiola
E libertou o concriz.
Eu fiquei muito feliz
Por ver o concriz liberto
E ele muito mais ainda
Voando de bico aberto
Como quem dizia ali
Nunca mais passo nem perto.
Foi pousar no canto certo
No meio da parentela
Encontrou a sua amante
Na mata da Micaela
Eu outro dia vi ele
Feliz da vida com ela.
O concriz fora da cela
Com a amante do lado
Reconheceu-me de longe
Cantou bonito e dobrado
Dizendo a meu entender
“Poeta, muito obrigado”!
Eu sai todo empolgado
Que nem um xexéu pachola
Cantando com o sabiá
E patativa de gola
Feliz por ter libertado
O meu colega da gaiola.
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