Último vazamento do WikiLeaks revela uma indústria bilionária que vende equipamentos de espionagem a regimes repressores. As empresas no lucrativo ramo são europeias e americanas, mas há também uma brasileira
Uma indústria multibilionária secreta está oferecendo sistemas de ponta que permitem que governos identifiquem, rastreiem e monitorem qualquer um através de seus telefones e computadores.
É o que uma coletânea de centenas de e-mails promocionais e outros materiais de marketing obtidos pelo WikiLeaks revelam.
Uma empresa alemã oferece a habilidade de rastrear “opositores políticos”; uma compania italiana alega poder controlar smartphones remotamente e usá-los para escutar conversações e fotografar os donos; uma empresa americana permite usuários “ver o que eles [os espionados] veem”; uma empresa sul-africana oferece ferramentas para gravação de bilhões de chamadas telefônicas e armazenamento eterno para o material.
Este material está sendo publicado pelo WikiLeaks e pela ONG Privacy International, um grupo de Direitos Humanos sediado em Londres.
Os arquivos jogam luz sobre uma indústria sombria que vale 5 bilhões de dólares e está crescendo rapidamente. Este tipo de propaganda não é aberta ao público. Pelo contrário: elas são enviadas a contatos-chave – geralmente agências governamentais e forças policiais – em feiras de negócios que são fechadas ao público e à imprensa.
Um roteiro de Hollywood?
Os documentos foram coletados de mais de 130 empresas sediadas em 25 países, desde o Brasil até a Suiça, e revelam uma gama de tecnologias sofisticadíssimas que parecem ter saído diretamente de um filme de Hollywood.
Mas essas empresas são reais. E dão consistência aos ativistas que garantem que esse setor que está se proliferando constitui uma nova e não regulada indústria de armas.
“Estes documentos revelam uma indústria vendendo ferramentas não apenas para alvos de intercepções legais… mas para vigilância em massa. Estas ferramentas permitem a governos vasculhar emails, conversas e mensagens de textos de populações inteiras, armazenar, procurar e analisar. Assim como o Google guia sua busca na web. Permitem a um policial à paisana rastrear qualquer um que diz algo rude sobre um ditador. “Não é de se espantar que essas empresas trabalham para países como Egito, Síria e Irã”, diz Ross Anderson, professor de Engenharia de Segurança na Universidade de Cambridge.
A indústria alega que vende apenas equipamentos de “interceptação legal” para autoridades oficiais: a polícia, o exército e agências de inteligência.
Mas as malas-diretas de venda ostentam equipamentos de espionagem discretos, e a disponibilidade destes equipamentos preocupa ativistas porque permote abusos por forças de segurança repressivas e oficiais corruptos.
“Tecnologia deste tipo pode ser tão letal quanto balas diretamente vendidas por empresas de munições”, diz o deputado britânico Lord Alton, que já levantou muitas questões referentes a esta indústria.
O que é oferecido?
“Para quê amostragem, quando você pode monitorar tráfego de rede sem maiores despesas?”, alardeia uma mala-direta da Endace, empresa sediada na Nova Zelândia.
“Monitoramento total de todas as operadoras para evitar qualquer vazamento de inteligência é fundamental para agências governamentais”, diz a empresa indiana Clear Trail.
A China Top Communications, sediada em Pequim, alega ter como hackear as senhas de mais de 30 provedores de correio eletrônico, incluindo Gmail, “em tempo real e através de um meio passivo (SIC)”.
Na linguagem deliberadamente obscura da indústria de vigilância, “interceptação passiva” é o que acontece sem que o “alvo” – ou a pessoa sendo espinagda – perceba que está sendo observado.
No Brasil, a empresa Suntech, de Florianópolis, oferece serviços para para operadoras de telecomunicações como interceptação legal, retenção de dados e gerenciamento de rede.
No mercado global, esse tipo de tecnlogia é usada abusivamente por governos repressores para ajudar a desmantelar dissidentes.
Em outubro, o Bureau revelou que equipamentos de filtragem de rede da Blue Coat Systems, com sede na California, estavam sendo usados para censurar o tráfego de internet na Síria, apesar das sanções dos EUA àquele país.
A empresa depois afirmou que o equipamento teria sido desviado por um importador dos Emirados Árabes Unidos.
Agora, o Bureau comprovou que equipamentos de uma empresa do Reino Unido estão sendo usados na Síria. Mais: a Líbia usava tecnologia produzida na França para monitorar pessoas em Londres – algumas delas apenas com ligações remotas com dissidentes.
Uma investigação da Bloomberg recentemente descobriu um sistema de vigilância sendo instalado pelo governo sírio por uma empresa italiana, Area.
As notícias apareceram enquanto o país estremecia por protestos massivos que deixaram 3.500 mortos. Os advogados da Area anunciaram na última segunda-feira que a empresa teria cancelado as vendas.
Mas o maior motivo de preocupação é a velocidade com que esta tecnologia está avançando.
“As ferramentas propagandeadas nestas malas-diretas demonstram uma capacidade de vigilância em massa que antes era inimaginável. Isso faz grampos telefônicos parecerem coisa de criança”, diz Eric King, da ONG Privacy International. “Alguns dos regimes mais tiranos do mundo estão comprando esses equipamentos para monitorar o comportamento e as comunicações de cada um de seus cidadãos – e a tecnologia é tão eficiente que eles podem executar isso com o mínimo de recursos humanos.”
Empresa inglesa vende para o Irã – com as bênçãos da inteligênica britânica
Enquanto a exportação de bombas e armas convencionais é estritamente controlada, as tecnologias de vigilância – que podem ser tão mortais quanto armas se caírem em mãos erradas – passam por pouco controle ou escrutínio público.
A reportagem descobriu que o centro de espionagem do governo britânico, GCHQ, avaliou a venda de tecnologia de rastreamento de telefonia móvel ao Irã pela empresa Creativity Software, de Surrey, e aprovou o negócio.
Marietje Schaake, membro holandês do Parlamento Europeu, apela para que a legislação da União Europeia previna que tais tecnologias sejam vendidas para regimes repressores.
Por enquanto, não há nenhum movimento claro para introduzir-se algo concreto.
Talvez parte do problema esteja no fato de que a tecnologia oferecida é complexa e rapidamnete substituída por novas versões.
Na próxima semana, por exemplo, a Conferência de Sistemas de Apoio a Inteligência da Ásia e Pacífico, em Kuala Lumpur, irá revelar novos avanços e técnicas ainda melhores de espionagem.
Até quando será que os governos ignorarão esta indústria florescente?
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