Casado e pai de três
filhos, James Fallon, professor de psiquiatria e comportamento humano da
University of California, Irvine (UCI), disse à BBC Brasil que a descoberta fez
com que ele reavaliasse seus conceitos a respeito de quem era. E transformou
suas convicções enquanto cientista.
A experiência de
Fallon, descrita no livro The Psychopath Inside, teve grande repercussão na
internet.
Comentando o caso, um
neurologista ouvido pela BBC disse que estamos interpretando os conhecimentos
gerados pela genética de maneira "perigosa".
"Os
profissionais estão atribuindo importância excessiva para a carga genética de
uma pessoa, como se isso, por si só, fosse capaz de determinar o futuro de um
ser humano", disse Eduardo Mutarelli, professor do Departamento de
Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP).
Para ele, a
experiência de Fallon ajuda a reequilibrar o debate que contrapõe a influência
da herança genética à do meio (nesse caso em particular, a influência
civilizadora da família e da sociedade sobre o indivíduo).
Revelação
Perturbadora
A descoberta de
Fallon aconteceu em 2005, quando ele analisava tomografias de cérebros de
assassinos em série na universidade. Ele queria ver se encontrava alguma
relação entre os padrões anatômicos dos cérebros desses pacientes e seu
comportamento.
Fallon explicou que,
para ter uma base de comparação, tinha colocado na pilha tomografias de membros
de sua própria família – a ideia era usá-los como modelos de cérebros
"normais".
Ao chegar ao fim da
pilha, onde estavam os exames de sua família, o cientista viu uma tomografia
que mostrava um padrão claro de patologia. "O exame mostrava baixa
atividade em certas áreas dos lobos frontal e temporal que estão associadas à
empatia, moralidade e ao auto-controle".
Fallon contou que, no
começo, pensou que fosse um engano. Mas feitas as checagens, o neurocientista,
que estudava psicopatas há mais de duas décadas, viu-se às voltas com uma
realidade um tanto quanto incômoda: o cérebro representado naquele exame era
seu.
"As mesmas áreas
do cérebro estavam completamente apagadas, como nos piores casos que eu tinha
visto", disse Fallon.
Para se certificar,
Fallon fez mais algunas investigações.
Exames do seu DNA
confirmaram que ele tinha genes alelos associados à ausência de empatia e
comportamento agressivo e violento.
Fallon também se
submeteu a um teste usado por muitos pesquisadores e psicólogos para avaliar
tendências antisociais e psicopáticas, a Robert Hare Checklist.
"Psicopatas
alcançam acima de 30 pontos no teste de Robert Hare", disse Fallon.
"A pontuação máxima é 40. Eu alcanço 18, 20 ou 22. Tenho vários traços em
comum com psicopatas, só não sou criminoso. Nunca matei nem estuprei ninguém e
prefiro vencer uma discussão com argumentos do que com força física", diz.
Charme
perigoso
Análise mostrou que cérebro de Fallon tinha traços em comum com psicopatas
Fallon contou que
quando compartilhou suas descobertas com a família e com amigos, eles não se
surpreenderam. Gradualmente, o neurologista começou a se ver do ponto de vista
das pessoas que o conheciam bem.
"Tive várias
conversas reveladoras com minha mãe. Ela me disse que sempre percebeu um lado
sombrio em mim e tomava cuidado especial para neutralizar essas tendências e
incentivar outras, mais positivas", conta.
Nessas conversas, a
mãe também contou ao filho que vários antepassados dele pelo lado paterno
tinham sido criminosos temidos. Entre eles, Lizzie Borden, acusada de matar o
pai e a madrasta em 1892.
Para a esposa, era
como se existissem dois James Fallon convivendo num único homem.
"Sou casada com
duas pessoas, uma é inteligente, engraçada e afetuosa. A outra é um sujeito
perverso, de quem eu não gosto", disse a mulher do neurologista em uma
entrevista para a TV.
"Tenho muito jeito
para lidar com estranhos, faço muita caridade. Mas sou uma decepção como
marido. Posso ver um bebê que não conheço e ficar com os olhos cheios de
lágrimas, mas não sinto uma conexão emocional profunda com minha própria
família", diz.
Fallon descreveu alguns
dos traços típicos de um psicopata: "Psicopatas possuem um narcisismo
agressivo, charme, desenvoltura aliada a superficialidade, senso de
superioridade, tendência a manipular, são emocionalmente rasos, não sentem
culpa, remorso ou vergonha".
"Podem ser
magnânimos e generosos, mas são emocionalmente frios", afirma.
Teria Hitler, por
exemplo, sido um psicopata?
"Não. Hitler era
capaz de sentir empatia pelas pessoas e tinha relacionamentos próximos, então
eu diria que ele não era um psicopata. Já Stalin, por exemplo, tenho quase
certeza de que sim. Ele não era próximo nem dos próprios filhos", observa.
"A capacidade –
ou não - de sentir empatia é essencial para se establecer se uma pessoa é um
psicopata", diz o neurologista.
Amor
de Mãe
James Fallon diz não
ter dúvidas de que foi o amor da família que impediu que ele realizasse seu
"potencial" e se tornasse um criminoso violento.
"Sou uma pessoa
agressiva e vingativa, gosto de manipular as pessoas, sinto prazer no poder.
Mas todos foram tão amorosos comigo, tenho uma mãe afetuosa e uma esposa
maravilhosa", afirma.
"Além disso, não
tive experiências de abandono, abuso ou traumas violentos na infância. Tudo
isso neutralizou minha biologia", relata.
O neurologista
confessou que não teria feito essa afirmação cinco anos antes. "Eu
costumava achar que a genética era tudo. Hoje, estou convencido de que a
biologia é importante, mas a genética pode ser modificada pelo meio
ambiente", diz.
Gene
X Meio
Para Fallon, descoberta lhe mostrou importância do ambiente sobre o desenvolvimento pessoal
As revelações de
James Fallon, descritas no seu livro e em palestras - algumas disponíveis na
internet - revivem um debate que há muito intriga especialistas: somos produto
da nossa herança genética ou do meio em que vivemos?
Para o neurologista da
USP e do Hospital Sírio Libanês Eduardo Mutarelli, o caso de Fallon reforça o
papel da sociedade (ou seja, do meio) na formação do indivíduo. E ajuda a
combater uma certa tendência "determinista" na forma como nosso
potencial genético vem sendo interpretado por médicos hoje.
"A genética hoje
trabalha muito com probabilidades, com potencial genético e fatores de
risco", disse Mutarelli.
O médico citou como
exemplo doenças como o Mal de Alzheimer ou o Mal Parkinson.
"Com o
conhecimento atual, sabemos que existe uma certa carga genética associada a
essas doenças. Mas você carrega um certo fator de risco e isso vai se
transformar em doença caso outras coisas contribuam para isso", explicou.
"Você não se
cuida, não come direito, esses são fatores de risco para que a pessoa venha a
desenvolver a doença", observa.
Mas trazendo a
discussão de volta para o caso de James Fallon, Mutarelli faz uma ressalva:
"No caso dele, se ele tem um exame de imagem de cérebro que é igual ao de
um psicopata, ele só não é psicopata porque foi bem educado".
"O lobo frontal
está desregulado, a alteração existe na experiência dele e a ressonância mostra
a alteração, ou seja o gene foi ativado. Ele só não é um serial killer por
causa da família", reforçou o professor.
E concluindo: "O
jeito de mudar o mundo é educando".
Fonte: BBC Brasil
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