O corpo foi levado no meio da noite da sede em Buenos Aires da CGT, o
maior sindicato peronista da Argentina, onde estava desde que o processo de
embalsamamento havia sido concluído.
Para os partidários de Perón, a remoção do corpo de Eva era uma
tentativa de apagar o peronismo e seu símbolo mais forte na Argentina. Quando
viva, Evita acumulou uma enorme popularidade, sobretudo por causa de seu
trabalho junto às classes trabalhadoras.
Investigações indicaram, depois, que o corpo foi mantido em um veículo
estacionado nas ruas de Buenos Aires e chegou a ser guardado dentro do sistema
de abastecimento de água da cidade. Por um tempo, o cadáver ficou escondido
atrás de uma tela de cinema.
Acredita-se, também, que corpo passou um tempo dentro dos escritórios da
Agência Secreta Militar. Mas, para onde quer que o corpo fosse levado, flores e
velas apareciam e, por isso, era necessária uma solução de longo prazo.
Corpo de Eva Perón percorreu vários países antes de ser sepultado
definitivamente em Buenos Aires (Foto: Wikimedia Commons)
Em 1957, com a ajuda secreta do Vaticano, os restos de Eva Perón foram
levados para a Itália e sepultados em um cemitério de Milão, com um nome falso.
Símbolo de
resistência
Assim que correu a notícia do desaparecimento do corpo, começaram a
aparecer pichadas nos muros de Buenos Aires a frase: "Onde está o corpo de
Eva Perón?". O corpo, então uma lembrança incômoda do regime peronista,
transformou-se em um símbolo de resistência ao novo regime militar que
comandava o país.
Em 1970, os Montoneros, grupo guerrilheiro peronista, sequestraram e
mataram o ex-presidente Pedro Eugenio Aramburu. Uma das razões foi o fato de o
general Aramburu ter coordenado o roubo do corpo.
Em 1971, em um país marcado pela crise econômica, houve uma tentativa de
"normalização" da política. O Partido Justicialista (Peronista) foi
legalizado, o corpo de Evita foi desenterrado e transferido da Itália à
Espanha, onde Perón vivia no exílio com a terceira mulher, Isabelita.
Uma das testemunhas da transferência do corpo foi o empresário argentino
Carlos Spadone, amigo de confiança de Perón. Ele foi um dos primeiros a ver o
corpo de Evita.
"O general Perón, o jardineiro e eu tiramos o corpo de dentro do
caixão. Colocamos em uma mesa com tampo de mármore. Nossas mãos ficaram sujas
de terra, o corpo tinha que ser limpo", contou, em entrevista à BBC.
"Isabelita fez isso cuidadosamente, com algodão e água. Ela penteou
o cabelo, limpou (...) e então usou com secador. Levou vários dias."
Um dos dedos da mão estava faltando. Acredita-se que os militares o
tenham removido depois do golpe de 1955 para verificar se era mesmo de Evita.
Spadone também relata, ainda, outros danos no corpo: havia um
afundamento no nariz, sinais de golpes no rosto e no peito, marcas nas costas e
uma marca maior no joelho.
Corpo de Evita se transformou em símbolo de resistência na Argentina
(Foto: Wikimedia Commons)
"Mas não acredito que ela foi pendurada ou chicoteada como alguns
falam", disse.
O retorno
Em 1973, Perón e Isabelita voltaram para a Argentina. Perón foi eleito
presidente e Isabelita, vice.
Um ano depois, Perón morreu e deixou na Presidência sua então esposa,
que supervisionou a volta do corpo de Evita de Madri para Buenos Aires.
Domingo Tellechea, especialista em restauração, foi encarregado de
tornar o corpo apresentável para o público. O trabalho começou na cripta da
residência presidencial Los Olivos, como Tellechea contou à BBC.
"Os pés estavam ruins, pois o corpo foi escondido na posição
vertical. Ela tinha uma ferida. Mas eu não saberia dizer se foi feita com uma
arma ou não", conta.
Tellechea acredita que os restos foram forçados para caber dentro de um
caixão pequeno demais para o corpo. Apesar das marcas externas, ele disse que o
embalsamento original resistiu bem ao tempo e que o corpo estava bem
conservado.
Durante a restauração do corpo, Isabelita começou a planejar um
monumento grandioso para abrigar os restos de Evita e Perón. Mas o plano nunca
foi executado.
Quando a restauração estava completa, o cadáver foi novamente mostrado
ao público, ao lado do caixão de Perón. Fotos da época mostram a fila do lado
de fora de Los Olivos, mas nada foi igual às duas milhões de pessoas que
acompanharam o funeral, em 1952.
Recoleta
Quando Juan Perón morreu, corpo de Evita voltou à Argentina (Foto:
Wikimedia Commons)
Em 1976, outro levante militar sacudia a Argentina. O governo de
Isabelita Perón foi deposto e o país mergulhou em uma nova era de violência,
com a morte e o desaparecimento de milhares de opositores.
Isabelita partiu para o exílio em Madri, onde vive até hoje. Já o corpo
de Evita foi levado, em outubro de 1976, de Los Olivos para o mausoléu de sua
família no cemitério da Recoleta, em Buenos Aires, em uma operação
supervisionada pelos militares.
O corpo foi colocado em uma cripta a cinco metros de profundidade,
semelhante a um abrigo nuclear, para que ninguém voltasse a perturbar os restos
da mais célebre personalidade argentina.
Fonte: BBC Brasil
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