São Paulo - Em Avatar, filme dirigido
por James Cameron, o ex-fuzileiro Jake Sully (interpretado por Sam Worthington)
é paraplégico. Mas, quando decide participar do Programa Avatar, suas conexões
neurais o conectam a um avatar e então o ex-fuzileiro consegue andar. No filme,
isso só ocorre quando o cérebro de Sully consegue controlar, de forma virtual,
o seu avatar no belo mundo de Pandora.
No mundo real, apesar de muitos
estudos científicos sobre o tema, ainda não é possível fazer uma pessoa com as
limitações de Jake Sully voltar a andar. Mas cientistas brasileiros estimam que
isso pode começar a ocorrer em 2030. A ideia de pesquisadores do Instituto
de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da Universidade de São Paulo
(USP), campus de São Carlos, é que um chip seja implantado na parte mais externa
do córtex cerebral. Quando for ativado, esse dispositivo poderá comandar os
movimentos de uma pessoa com deficiência física por meio de um exoesqueleto
(espécie de esqueleto artificial feito de metais resistentes).
“À medida que um campo
magnético mantido fora da cabeça se aproximasse desse chip,
ele iria se energizar e passaria a ler e enviar os comandos do cérebro para
fora, utilizando essa mesma energia”, explicou em entrevista à Agência
Brasil Mario
Alexandre Gazziro, professor do Departamento de Ciência da Computação da USP.
O mecanismo está em estudo por
um grupo de pesquisadores de São Carlos, do qual participa Gazziro. A pesquisa
está sendo desenvolvida em parceria com a Universidade do Sul da Flórida, nos
Estados Unidos, com a participação do professor Stephen Saddow. “Certamente
essa é a solução mais promissora para fazer com que, por meio
de esqueletos mecânicos ou robotizados, paraplégicos e pessoas com outras
deficiências voltem a andar de novo”, disse o professor da USP.
Atualmente, segundo ele, o que
existe em termos de experimento nesse sentido é a instalação de eletrodos
no cérebro. “O que se faz é colocar o eletrodo dentro do cérebro, diretamente,
nos experimentos. Não está disponível comercialmente nem [foi] aprovado pela
Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária]”, lembrou Gazziro.
O novo chip,
no entanto, funcionaria de forma semelhante ao sistema implantado no personagem
Neo, do filmeMatrix,
mas sem o uso de um fio. “Imagine que aquela conexão na cabeça que é feita
neles [personagens do filme] seria feita só de se chegar próximo [à cabeça].
Esta é a nossa proposta: uma interface em que colocamos um chip dentro
do cérebro e 'conversamos' com o chip só de chegarmos próximo [a
ele]”, disse.
Além do chip sem
fio, uma condição para que um paraplégico volte a andar, nessa situação, será o
desenvolvimento de exoesqueletos. “Precisará ter um exoesqueleto, um esqueleto
[robótico] para movimentar perna e braço. Esse exoesqueleto teria uma antena,
escondida embaixo do cabelo. O chip seria colocado em uma região
específica do córtex. E a pessoa aprenderia a usar aquele membro eletrônico.
Seria como aprender a andar de novo”, explicou o professor. Segundo Gazziro, a
tecnologia de criação do exoesqueleto está bem encaminhada.
A pesquisa, que será
desenvolvida no instituto durante três anos, pretende focar no desenvolvimento
de chipssem fio e de baixo consumo.
Eles serão feitos com material biocompatível, como o carbeto de silício,
que, segundo a equipe de pesquisa coordenada por Saddow, tem a propriedade
necessária para desenvolver uma interface cerebral.
“É um chip especificamente desenhado para ser
interligado ao córtex motor. O que fazemos aqui é uma complementação do estudo
do professor Miguel Nicolelis [que pretende construir um exoesqueleto robótico,
comandado diretamente pelo cérebro, para que pessoas com paralisia voltem a
andar], que tem conhecimento das pesquisas feitas em São Carlos. O que fazemos
é propor uma solução para tirar o fio que atualmente seria usado em uma
interface cerebral”, disse o professor.
O estudo está dividido em duas
partes. A primeira aborda a questão da biocompatibilidade, que já foi
resolvida pela universidade norte-americana. A outra, considerada um gargalo no
mundo científico, trata da redução do consumo de energia pelo chip, o que
ficará a cargo dos pesquisadores da USP. “Em parceria com o pessoal do sul da
Flórida, estamos desenvolvendo novas técnicas para baixar o consumo do chip de
forma que, nos próximos quatro ou cinco anos, consigamos ter
um com pouca energia conseguindo funcionar dentro do cérebro”, disse
o professor.
Depois de desenvolvido, o chip de baixo consumo será testado em
ratos. “Nossa estimativa é que isso [implantar o chip em
ser humano com sucesso] possa vir a se tornar corriqueiro no dia a dia em torno
de 2030. O processo de validação para humanos leva mais de dez anos. Estamos
com o plano de terminar nossos chipsentre 2018 e 2020.
A partir daí, serão mais dez anos de estudos clínicos para poder validar para
uso comercial”, explicou.
O estudo, denominado Interface
Neural Implantável, foi aprovado pelo programa Ciência sem Fronteiras, do
governo federal, e tem apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São
Paulo (Fapesp). “Atualmente temos R$ 250 mil, que acabaram de ser aprovados. E
estamos pleiteando mais R$ 2 milhões nos próximos anos. Mas, como vamos usar a
fábrica de chip experimental da Flórida, esses R$ 250
mil já vão ser suficientes para fazer os primeiros. Não estamos com carência de
recursos. Para cumprir essa meta para os primeiros chips, esse orçamento já cobre. Mas estamos
pedindo mais orçamento para aprimorar e construir processos de fabricação
industrial aqui”, disse Gazziro.
Além de possibilitar que, no
futuro, pessoas com deficiência possam voltar a andar, o projeto pretende
impulsionar a pesquisa e a indústria nacional. “Se esse projeto for bem
administrado, mantendo a propriedade intelectual e fazendo a transferência para
a indústria, ajudará não só as pessoas, mas a indústria médica no país. O
interessante seria dar incentivo para que empresas nacionais, via incubadoras,
fabricassem esses sistemas, podendo gerar renda [para o país]”, destacou
o professor.
Elaine Patricia Cruz
Repórter da Agência Brasil
Repórter da Agência Brasil
Edição: Juliana Andrade
Fonte: Agência Brasil
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