quinta-feira, 9 de outubro de 2025

Cheia do Rio Jacu - de 1964. Um conto!


Texto criado depois de ouvir relatos dos mais antigos. Pessoas que presenciaram e relataram as cenas. Mesmo que de forma oral, muito do que contaram foi verdade.


Cheia de 1964 

Era o começo de março de 1964 quando o céu sobre o Município de Santo Antônio, no Rio Grande do Norte, começou a escurecer de um jeito diferente. As nuvens, carregadas e densas, anunciavam que o inverno naquele ano seria rigoroso. Poucos acreditavam que aquelas chuvas trariam mais do que fartura. Afinal, o povo da região estava acostumado a esperar pelas águas como quem espera por bênçãos. Mas ninguém imaginava que, naquele ano, o Rio Jacu e o seu afluente próximo à cidade (o Riacho dos Macacos) viriam a reclamar a área de várzea que era deles, com uma fúria que ficaria marcada na memória de todos.

As primeiras pancadas de chuva vieram brandas, refrescando o chão quente e a vegetação seca. O cheiro de terra molhada tomava as ruas, e as crianças corriam descalças sob o aguaceiro, rindo da novidade. Os adultos olhavam o céu com certo alívio, calculando mentalmente o quanto de milho e feijão plantariam. Mas os dias foram passando, e a chuva não deu trégua. Era água de manhã, à tarde e à noite. O barulho das goteiras passou a embalar o sono e a vigília. O Rio Jacu, que cortava o município com sua calma costumeira, começou a mostrar sinais de inquietação.

Quando a enchente chegou de fato, ninguém estava preparado. As águas invadiram as margens com força, arrastando o capim, os paus, os cercados. O cemitério, que ficava próximo ao leito do rio, foi o primeiro a sentir o golpe da natureza. As covas ficaram tomadas pela lama; cruzes se inclinavam sob o peso da correnteza, e o silêncio do campo-santo deu lugar ao murmúrio das águas que se infiltravam por entre os túmulos. Era uma cena triste e, ao mesmo tempo, de uma beleza trágica — como se o tempo tivesse parado diante da força bruta da natureza.

As ruas de Santo Antônio, outrora secas e poeirentas, transformaram-se em canais de lama. As casas mais baixas foram invadidas pela água, e os moradores corriam de um lado para o outro tentando salvar o que podiam: um colchão de palha, um tamborete, uma fotografia, a imagem de um santo. As mães carregavam os filhos no colo, temendo o desconhecido, enquanto os mais velhos observavam em silêncio, recordando outras cheias, menores, menos impiedosas.

Naquele cenário de aflição, um homem chamava atenção pela coragem e pelo sofrimento: o vaqueiro Antônio Bento. Conhecido por sua bravura e habilidade com o gado e por nunca abandonar um animal, ele se via diante de um desafio que nem sua força nem sua experiência pareciam dar conta. As águas haviam cercado a fazenda do seu patrão, e o rebanho mugia desesperado. Antônio montou seu cavalo e, com a água já na altura da sela, começou a conduzir os bois para um terreno mais alto. A chuva batia-lhe no rosto como agulhas, mas ele não desistia. A cada metro conquistado, um bezerro era salvo; a cada volta, um novo risco. Quando enfim alcançou a parte seca, caiu de joelhos, exausto, mas aliviado. Parte do rebanho ficara para trás — e isso o doía mais do que a própria fadiga.

Não muito longe dali, João Pifano vivia seu próprio drama. Tinha um boi de estimação e da carroça, companheiro de tantas lidas, que fora levado pela correnteza. Tentou alcançá-lo, gritando, mas as águas o engoliram num movimento rápido e cruel. João ficou parado à beira do rio, olhando o vazio, com os olhos marejados. O boi, para ele, não era apenas um animal — era um símbolo de anos de trabalho, de luta e de sobrevivência. A perda parecia resumir toda a impotência humana diante da natureza.

Na igreja matriz, ponto central da cidade, as águas chegaram próximas ao adro, ameaçando entrar. Os sinos silenciaram, como se respeitassem um luto coletivo. O padre, aflito, abrigou famílias em seu interior, transformando o templo em refúgio. Ali, o povo rezava, não apenas pedindo que a chuva parasse, mas também agradecendo por ainda estarem vivos. Velas acesas tremeluziam nas mãos, refletindo-se na água que já chegara a poucos metros da porta da frente. Era um cenário de fé e desespero, em que o medo se misturava à esperança.

Alguns sítios e fazendas ao redor estavam meio submersos. O que antes era pasto seco agora era um espelho d’água. Árvores pareciam ilhas isoladas, e barcos improvisados começaram a surgir — feitos de portas, caixotes, troncos. O povo sertanejo, resistente como o solo que habita, mostrava mais uma vez sua capacidade de enfrentar a adversidade. Entre gestos de solidariedade, dividiam o pouco que restava: um pedaço de pão, uma coberta, um lugar seco para dormir.

Os dias seguintes foram de desolação. Quando a chuva finalmente cessou, o sol reapareceu tímido, revelando o rastro da destruição. O barro cobria tudo. As ruas, antes alegres, agora pareciam fantasmas. Restava às pessoas o trabalho árduo de reconstruir o que as águas haviam levado. O cemitério precisou ser limpo e reorganizado, a igreja recebeu reparos, e as fazendas tentavam se reerguer. Mas algo mudara para sempre na memória de Santo Antônio: a certeza de que o rio, por mais manso que parecesse, guardava uma força silenciosa, pronta para despertar.

Com o tempo, as histórias da cheia de 1964 viraram lembrança. Nas conversas de fim de tarde, os mais velhos ainda falavam da “grande cheia do Jacu”, como quem narra uma lenda. As crianças ouviam atentas, com olhos arregalados, tentando imaginar o dia em que o rio subiu e fez o povo fugir. Para uns, era um castigo divino; para outros, apenas um capricho da natureza. Mas todos concordavam em uma coisa: depois daquela enchente, Santo Antônio nunca mais seria o mesmo.

Hoje, quando a chuva cai forte e o rio começa a subir, há quem ainda sinta um frio na espinha. A memória da cheia de 1964 permanece viva, não apenas nas palavras, mas no respeito que o povo aprendeu a ter pelo Rio Jacu. E, de alguma forma, entre o medo e a reverência, ficou também a lição: o homem pode tentar dominar a terra, mas é a natureza que dita as regras — e o rio, paciente e antigo, nunca esquece o seu caminho.


Por: Claudianor Dantas

Geógrafo e Bacharel em Administração Pública



 

domingo, 5 de outubro de 2025

FLOW: Uma obra-prima



 

Uma resenha Crítica

Flow (2024)

 

Depois de assistir e reassistir a animação Flow, dirigida pelo letão Gints Zilbalodis, posso explanar aqui, nesse espaço, a minha visão sobre essa excelente obra. 

Aqui, como em toda parte a água constrói, a água destrói. A água é vida, a água é morte. E como diria o filósofo Tales de Mileto: "A água é o princípio de todas as coisas" ou, em uma forma mais sucinta, "Tudo é água"!

Elaborado de forma meio que  silenciosa, poética e profundamente simbólica, movido com ausência de palavras e mais pela força das imagens. Em um mundo inundado por uma enchente colossal, acompanhamos a trajetória de um gato solitário que precisa enfrentar o inesperado e aprender a conviver com outras espécies para sobreviver (A presença de estátuas de gatos mostra o lugar onde ele provavelmente vivia, entre pessoas que tinham o dito felino como sagrado, talvéz! Porém, há tempos não se via presença humana). Tendo que conviver juntos, um gato, um lêmure, uma capivara, alguns cachorros, um pássaro-secretário e uma espécie de baleia que segue o barco, eles têm que ir enfrentando as surpresas que vão surgindo e sem saber o que vem pela frente.

A ausência de diálogos é substituída por uma narrativa visual intensa, que convida o espectador a refletir sobre a necessidade de adaptação diante das mudanças da vida — sejam elas lentas ou abruptas.

A água, elemento central da história, funciona como metáfora das transformações inevitáveis que todos enfrentamos. Ela destrói e recria, separa e une, revelando que a existência está em constante movimento. Assim como os animais do filme, o ser humano também é desafiado, a cada instante, a se adaptar às novas realidades. Aqueles que resistem às mudanças, agarrando-se ao que já não existe, correm o risco de desaparecer — não apenas fisicamente, mas emocional e espiritualmente. A exemplo do lêmure que se apega aos bens materiais e sofre muito ao ter que deixar para trás, da capivara que vive - quase sempre - na água e agora sofre com água em abundância, dos cachorros que causam confusão e do próprio gato que assiste, indefeso, a inundação da sua casa e do seu lugar. Porém, na cena onde o carnívo pássaro-secretário, ao se recusar a comer o gato, tem a sua asa quebrada e é banido do seu bando. Mesmo assim demonstra postura e, ao mesmo tempo, um sentimento de dever cumprido.

O diretor constrói essa reflexão através de gestos simples e situações simbólicas. A ave com a asa quebrada, por exemplo, parece condenada à imobilidade, mas no desfecho da narrativa ela ascende aos céus, em uma das cenas mais belas e místicas do filme. Sua elevação representa a superação dos limites e a possibilidade de transcendência mesmo quando tudo parece perdido. Já o gato, que em sua natureza teme a água, é forçado a mergulhar repetidas vezes — e, ao fazer isso, rompe com seus próprios instintos, aprendendo a coexistir com o imprevisível. Ambos os personagens expressam, de maneiras distintas, o mesmo princípio universal: só vive plenamente quem se transforma.

A jornada coletiva dos animais — cada um com suas fragilidades, medos e habilidades — reflete a condição humana em tempos de crise. O barco onde viajam funciona como uma alegoria da sociedade: nele, a sobrevivência depende da cooperação, da solidariedade e da aceitação das diferenças. O filme mostra que nenhuma espécie, e por extensão nenhum ser humano, consegue enfrentar sozinho as tempestades da vida. A baleia, que acompanha o grupo durante toda a travessia, simboliza a presença constante do ciclo natural — um lembrete de que tudo tem um fim e que cada fim contém o início de algo novo.

Visualmente deslumbrante e emocionalmente contido, Flow evita o sentimentalismo fácil. Sua beleza está na simplicidade e na profundidade simbólica, convidando o espectador a enxergar a si mesmo nos animais retratados. Ao final, o que permanece é a certeza de que a existência é movimento, e que resistir ao fluxo é o mesmo que negar a própria vida. Assim como o gato que aprende a nadar e a ave que volta a voar, em seu fim, subindo aos céus! Flow nos ensina que a sobrevivência — individual e coletiva — só é possível quando aceitamos que mudar é a forma mais autêntica de permanecer. A sociedade que não está disposta ou não consegue mudar estará fadada a extinção.


Por: Claudianor Dantas

Geógrafo e Bacharel em Administração Pública


 

segunda-feira, 7 de outubro de 2024

domingo, 18 de agosto de 2024

ELEIÇOES 2024: SANTO ANTÔNIO/RN - Candidatos a prefeito e a vereador


Santo Antônio tem 2 candidatos a prefeito e 48 a vereador registrados para disputar a eleição de 2024, segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A lista com todos os candidatos estão disponíveis abaixo, com os nomes e os números de urna, os partidos e as situações de cada um (concorrendo ou inapto para concorrer).

Esta reportagem poderá ser atualizada pois, até o dia da votação (6 de outubro) poderá haver alterações na lista de candidatos divulgadas pelo TSE. A última atualização ocorreu às 17:08 de sexta-feira (16).

As ordens em que os candidatos aparecem nas listas abaixo são as mesmas utilizadas pelo TSE.


Veja quem são os candidatos a prefeito e a vereador em Santo Antônio.





segunda-feira, 22 de abril de 2024

Coleção: "No Mundo da Linguagem", de Magdala Lisboa Bacha. O ensino fundamental na Escola Estadual Dr. Manoel Dantas, na década de 1970, em Santo Antônio/RN


Capas dos livros


Entre tantas lembranças que passam por nossas vidas, lembro-me de um “tesouro literário” que se tornou um guia na jornada do saber, intitulado: “No Mundo da Linguagem”, de Magdala Lisboa Bacha. Série de 4 livros didáticos e que sempre estavam marcados pelo traço suave do lápis de tantos estudantes que os utilizavam ano após ano.

Era a década de 1970, onde esses livros orientavam a educação de português (Comunicação e Expressão na época da ditadura militar). As páginas desses livros se abriam para revelar mundos desconhecidos e conhecimentos a serem desbravados pelas crianças de 6 aos 9 anos de idade. Na cidade de Santo Antônio/RN, um pequeno município do interior, onde os ventos sussurravam segredos ancestrais e onde os raios de sol pintavam a paisagem com suas cores vibrantes. Essa relíquia literária (que não se avista mais em biblioteca alguma) encontrou seu lar na memória de muitos alunos da época e que hoje relembram bem daqueles momentos.

Cada página era um convite à descoberta, uma janela para novos horizontes. Os personagens de histórias que transcendiam as fronteiras do tempo e do espaço se tornavam companheiros de jornada, enquanto os problemas do dia a dia desafiavam mentes jovens a desvendar seus enigmas (belos tempos).

Nas tardes e manhãs das salas de aula, não tão silenciosas, da Escola Estadual Dr. Manoel Dantas, em Santo Antônio/RN, lembro-me bem das respectivas professoras da época: Dona Zilda (1º ano), Dona Almira (2º ano), Dona Esther Mandu (3º ano) e Dona Dalvanira (4º ano). Naquele tempo não tinha o 5º ano! Ainda lembro das vozes das professoras dedicadas, guiando os passos dos aprendizes em direção ao conhecimento. Sob a luz suave que vinha das grandes janelas abertas, os olhos curiosos de "alguns" alunos devoravam as lições, ansiosos por desvendar os mistérios do seu próprio universo. Pois, cada indivíduo tem o seu universo e que sempre é recriado com as suas vivências de mundo.

Escola "Manoel Dantas"

Cada página virada era um passo adiante, um encontro com novos saberes e uma imersão em um mundo de possibilidades. Esses livros, mais do que um simples compêndio escolar, era um portal mágico que transportava os leitores para além das paredes da sala de aula, levando-os a explorar terras distantes e a sonhar com um futuro repleto de promessas.

Hoje, as lembranças daqueles, ou desses livros, perduram como preciosas relíquias de um tempo distante. Se ainda existe algum desses livros com suas páginas desgastadas pelo tempo de uso, com certeza ainda carregam as marcas indeléveis de uma jornada de aprendizado que moldou mentes e corações. E mesmo que o tempo tenha passado e novas gerações tenham surgido com novos livros que surgiram na sequência, a magia desses livros didáticos, entre outros, continua viva na memória daqueles que tiveram a sorte de cruzar seu caminho.

Uma pena não ter a certeza se ainda existe alguns desses livros pelas escolas desse grande Brasil, ou em alguma biblioteca ou quem sabe também, em algum “sebo” qualquer de alguma cidade.

 

Claudianor D. Bento