domingo, 17 de março de 2013

Físicos de partículas dos Estados Unidos temem ficar para trás


AFP
Tevatron: acelerador de partículas americano que foi aposentado em 2011


Será que os dias de glória da física americana ficaram para trás?

Em uma manhã de domingo no início de janeiro, cerca de duas dúzias de renomados físicos se reuniram a portas fechadas no Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech), supostamente para falar sobre quem deve ser o próximo diretor do Laboratório Nacional Acelerador Fermi, o Fermilab, principal laboratório de alta energia do país. Eles, na verdade, acabaram por refletir sobre a situação atual de sua profissão.

Os físicos americanos não estavam exatamente à margem em julho do ano passado, quando a Organização Europeia para a Pesquisa Nuclear, o Cern, anunciou a provável descoberta do tão procurado Bóson de Higgs , a chave para compreender a origem da massa e da vida no universo.

Os Estados Unidos contribuíram com 531 milhões de dólares para construir e equipar o Grande Colisor de Hádrons, a máquina europeia de bilhões de dólares com a qual a descoberta foi feita. Cerca de 1.200 americanos trabalham no Cern, incluindo Joe Incandela, da Universidade da Califórnia em Santa Barbara, que liderou uma das duas equipes que fizeram o anúncio da descoberta em julho .


Porém, à medida que a ciência avança, os físicos de partículas americanos se perguntam qual o papel eles exercerão – se é que exercerão algum papel – no futuro da física de alta energia – a busca das partículas fundamentais e das forças da natureza – um campo que outrora dominavam.

"Há um forte sentimento de angústia no campo", disse Michael S. Turner, físico e cosmólogo da Universidade de Chicago que participou da reunião na Caltech.

Depois de cancelar o Supercolisor Supercondutor, que teria sido a máquina de física mais poderosa do mundo, em 1993, e de fechar o Tevatron do Fermilab em 2011, os Estados Unidos já não possuem a ferramenta preferida pela física – que atualmente é precisamente um colisor de partículas.

O maior projeto do Fermilab daqui para frente é um plano para disparar um feixe de neutrinos, partículas fantasmagóricas, por 1300 quilômetros terra adentro até um detector na antiga mina de ouro Homestake, em Lead, Dakota do Sul, para investigar suas propriedades de mudança de forma.

Os resultados podem contribuir para solucionar problemas profundos e intratáveis da cosmologia, ou seja, o motivo pelo qual o universo é feito de matéria e não de antimatéria, mas não há dinheiro suficiente no orçamento do projeto para instalar o detector abaixo do solo, na parte inferior da mina – onde ele ficaria abrigado dos raios cósmicos e poderia monitorar neutrinos de explosões de supernovas distantes –, e não na superfície.

Os americanos que querem desfrutar das emoções de cruzar as fronteiras da física de alta energia têm de voltar o olhar para o leste, focando no colisor do Cern, que deve dominar o campo pelos próximos 20 anos. Outra opção é voltar o olhar para o oeste, para o Japão, que está investindo cerca de 120 bilhões de dólares em estímulos para ajudar na recuperação do desastre da usina nuclear de Fukushima após o terremoto e tsunami ocorridos em 2011, e que quer usar parte do orçamento para sediar a próxima grande máquina da física, o Colisor Linear Internacional, que pode vir a ter 32 quilômetros de comprimento e fabricar bósons de Higgs para pesquisas de precisão.

Em fevereiro, em uma conferência de física realizada em Vancouver, na Colúmbia Britânica, a equipe que trabalhou no projeto do colisor durante a última década transferiu os planos para um novo consórcio, a Linear Collider Collaboration ("Colaboração do Colisor Linear"), dirigido por Lyn Evans, que construiu o Grande Colisor de Hádrons do Cern. Evans disse que a construção do colisor, próximo grande destaque de sua carreira, teria início dentro de dois anos no Japão.

Quão desesperadamente os Estados Unidos querem participar desses projetos, dos quais podem vir os próximos grandes avanços na nossa compreensão do universo?

"Nosso problema é que a Europa e Ásia consideraram a possibilidade ou já fizeram investimentos de 10 bilhões de dólares na física de partículas", explicou Jim Siegrist, diretor associado de física de alta energia da Secretaria de Energia, que diz que um investimento de tanto dinheiro assim não está previsto nos Estados Unidos. "O modo como concorremos é um problema para nós."

Os físicos esperam ter algumas respostas até o meio deste ano, quando se reunirão novamente em Minneapolis para a Snowmass, uma conferência de planejamento cujo nome é inspirado no resort do Colorado onde ela costumava ser realizada até o local começar a custar caro demais. Enquanto isso, restam apenas dúvidas, como, por exemplo, qual será a relação do país com o Cern no futuro.

Os Estados Unidos atuam hoje como observador no Cern, mas esse arranjo expira em 2017. Ingressar como membro pleno custaria algo em torno de 250 milhões de dólares por ano e está fora de questão. "Nem o Congresso nem as agências estão interessados", disse Siegrist, que acredita ainda que nem o próprio Cern estaria interessado em ter o Escritório de Prestação de Contas do Governo dos EUA e outros "pegando no seu pé".

Por apenas 25 milhões de dólares, no entanto, os Estados Unidos poderiam se tornar um membro associado, um caminho que agrada o diretor geral do Cern, Rolf-Dieter Heuer.

"Para mim, isso seria um avanço", disse Heuer em uma entrevista recentemente. Ele, porém, reconheceu que isso não viria sem percalços políticos e orçamentários do lado americano.

"Sei que as circunstâncias são delicadas", disse ele.

Por ora, disse Siegrist, as autoridades americanas e o Cern devem discutir como os Estados Unidos podem ajudar a aperfeiçoar consideravelmente o colisor planejado para 2022. Para isso, serão necessários novos ímãs supercondutores feitos de fios de nióbio-estanho. "O Cern gostaria de se beneficiar da nossa tecnologia", disse Siegrist.

Assim como no caso do Colisor Linear, Siegrist disse que as autoridades japonesas e uma delegação japonesa devem visitar os Estados Unidos ainda nesta primavera do hemisfério norte para falar sobre esquemas de cooperação.

Siegrist disse que o investimento americano no colisor do Cern havia estabelecido um precedente para ajudar a apoiar os aceleradores de partículas no exterior. E mostrou que os Estados Unidos podem ser um parceiro fiável em tais projetos. Em troca, disse ele, o Fermilab pode ter ajuda externa para realizar o experimento de neutrino, o suficiente para colocar o detector sob a terra, ou para propor uma instalação, chamada Projeto X, para produzir feixes intensos de prótons. Não se sabe qual será o resultado dessas iniciativas em tempos de sequestro de verba e cortes federais, admitiu ele, mas a física de partículas produziu desdobramentos importantes na medicina, incluindo dispositivos de imagem e feixes para o tratamento do câncer, assim como na ciência dos materiais.

"Os funcionários do Congresso com quem conversamos são muito simpáticos", disse ele. "Esse tipo de ciência voltada a novas descobertas claramente interessa ao governo."

No entanto, paira sobre todo o campo a preocupação de que após o bóson de Higgs, possa não haver nada mais a descobrir, pelo menos no que diz respeito aos níveis de energia possíveis de serem alcançados com os aceleradores que podem ser construídos atualmente. Talvez, dizem alguns físicos, o Fermilab deva ceder às pressões e se concentrar no desenvolvimento de uma nova tecnologia que possa baratear os aceleradores e diminuir seu tamanho.

Mesmo a proposta do novo colisor linear é um dinossauro de acordo com esses parâmetros, disse Turner, da Universidade de Chicago.

"O Japão está em boas condições para construir o próximo grande dinossauro", disse ele. "Talvez todo mundo esteja lutando para assumir o comando de um campo que já está morto."






Fonte: Portal ig.com

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