Antiga Rua Grande - Santo Antônio/RN
Eterno sonhador
Descendo a ladeira da velha Rua Grande
ao lado de casas que com o tempo se vão
banzeiro e cansado na boca da noite
andando tropeço e já quase dormindo
me vejo novamente naquele menino.
Levando reprimenda do vigário em ação:
- O que estás fazendo aí, menino, na calçada da Igreja.
Fosses batizado? Senão...
Do lado da rua e correndo agora
passa despercebida, a mercearia do Seu Jorge.
Epa! É a esquina para o cemitério. Recordei.
Em branco fiquei e gelado também
na calada da hora em silêncio continuei
voz rouca estrondava e pasmado fiquei:
- O que é que tu queres, menino?
Tenho prego, vela e querosene.
Não vês tu que estás atrapalhando
a procissão das almas a caminho da igreja.
No silêncio da noite ao miado de gato:
- miauuuuu! "Sai pra lá gado das almas"!
Em subúrbio morava e a passos largos rezava...
Na Rua do Motor, e da delegacia também.
Sombras de outrora vagavam pela rua...
Errantes e num eterno vai e vem!
De súbito esbarrei: onde fui me meter!
- Tem um Sequilho aí pra mim, Dona Iaiá?
- Ora tenha graça! Será folguedo. Passa menino!
Era tarde e no beco da delegacia só a solidão me ouvia:
- Solta os elos do meu braço, menino,
preciso correr! Ninguém meu Deus...
Loretão te pega! Lembrei. Ou seria o Cabo
Cabral?
- Corre que a Cumade Fulozinha te pega!
Dizia o Cabo, com o seu cachorro de fogo.
Agora acelerando com força superior
Chegando à Rua da Quixaba que o vento me levou
porém sem ver nada, uma falinha murmurou:
- Passa moleque, tu não viu nada. Ouviu?
- Moleque atrevido. Onde já se viu!
Muitos metros à frente, na 13 cheguei
e já ofegante, minha casa avistei.
Coração saltando de batimentos em tambor
olhos agudos de medo, justifica o clamor.
- Ah não! Com o medo surge a vertigem!
Só pode ter sido isso...
Batidas na porta e sem forças entrei.
Atilado ao destino certo, a passos lentos,
doces e conhecidas vozes escutei:
- Acorda, menino já tens 8 anos, hora de trabalhar,
tens que nos ajudar.
Dentro das mesmas vozes outra voz esbravejou.
A realidade triste dessa vez me acordou.
Ao berros e gritos o patrão “Ricássio” bradou:
- Acorda, “produtor”, hora de trabalhar,
tens que me ajudar,
pois riquezas tenho que juntar!
Estás mirando ou sonhando acordado?
Até a cara molhou...
Por acaso estás perdido, agora?
- Não, agora não...
me perdi lá na infância em um tempo,
que, há tempos, me levou!
Descendo a ladeira da velha Rua Grande
ao lado de casas que com o tempo se vão
banzeiro e cansado na boca da noite
andando tropeço e já quase dormindo
me vejo novamente naquele menino.
Claudianor D. Bento
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