domingo, 23 de março de 2014

ETERNO SONHADOR - Claudianor D. Bento


Antiga Rua Grande - Santo Antônio/RN

Eterno sonhador 


Descendo a ladeira da velha Rua Grande
ao lado de casas que com o tempo se vão
banzeiro e cansado na boca da noite
andando tropeço e já quase dormindo
me vejo novamente naquele menino.
Levando reprimenda do vigário em ação:

- O que estás fazendo aí, menino, na calçada da Igreja.
   Fosses batizado? Senão...

Do lado da rua e correndo agora
passa despercebida, a mercearia do Seu Jorge.
Epa!  É a esquina para o cemitério. Recordei.
Em branco fiquei e gelado também
na calada da hora em silêncio continuei
voz rouca estrondava e pasmado fiquei:

- O que é que tu queres, menino?
  Tenho prego, vela e querosene.
  Não vês tu que estás atrapalhando
  a procissão das almas a caminho da igreja.

No silêncio da noite ao miado de gato:
- miauuuuu! "Sai pra lá gado das almas"!

Em subúrbio morava e a passos largos rezava...

Na Rua do Motor, e da delegacia também.
Sombras de outrora vagavam pela rua...
Errantes e num eterno vai e vem!

De súbito esbarrei: onde fui me meter!

- Tem um Sequilho aí pra mim, Dona Iaiá?
- Ora tenha graça! Será folguedo. Passa menino!

Era tarde e no beco da delegacia só a solidão me ouvia:

- Solta os elos do meu braço, menino,
  preciso correr! Ninguém meu Deus...
  Loretão te pega! Lembrei.  Ou seria o Cabo Cabral?
- Corre que a Cumade Fulozinha te pega!
  Dizia o Cabo, com o seu cachorro de fogo.

Agora acelerando com força superior
Chegando à Rua da Quixaba que o vento me levou
porém sem ver nada, uma falinha murmurou:

- Passa moleque, tu não viu nada. Ouviu?
- Moleque atrevido. Onde já se viu!

Muitos metros à frente, na 13  cheguei
e já ofegante, minha casa avistei.
Coração saltando de batimentos em tambor
olhos agudos de medo, justifica o clamor.

- Ah não! Com o medo surge a vertigem!
  Só pode ter sido isso...

Batidas na porta e sem forças entrei.
Atilado ao destino certo, a passos lentos,
doces e conhecidas vozes escutei:

- Acorda, menino já tens 8 anos, hora de trabalhar,
  tens que nos ajudar.

Dentro das mesmas vozes outra voz esbravejou.
A realidade triste dessa vez me acordou.
Ao berros e gritos o patrão “Ricássio” bradou:

- Acorda, “produtor”, hora de trabalhar,
  tens que me ajudar,
  pois riquezas tenho que juntar!
  Estás mirando ou sonhando acordado?
  Até a cara molhou...
  Por acaso estás perdido, agora?

- Não, agora não...
  me perdi lá na infância em um tempo,
  que, há tempos, me levou!

Descendo a ladeira da velha Rua Grande
ao lado de casas que com o tempo se vão
banzeiro e cansado na boca da noite
andando tropeço e já quase dormindo
me vejo novamente naquele menino.



Claudianor D. Bento




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