Municípios potiguares são ricos
de histórias, lendas e personagens. Poetas populares crescem em cada recanto. A
geografia, as tradições e as influências do tempo-hoje parecem moldar cada
localidade com personalidade e culturas próprias. Em Santo Antônio não é
diferente. Lá, a marca maior é a lenda do ‘salto da onça’, que empresta até um
sobrenome ao município.
Nas redondezas da região agreste
do Estado, existia uma pedra rachada ao meio, com uma fenda medindo
aproximadamente três metros. Contam os mais antigos que uma onça foi ferida
mortalmente em pleno salto por um caçador, surgindo assim a denominação Salto
da Onça, que por muito tempo denominou o povoado.
A pernambucana Ana Joaquina de
Pontes comprou propriedade por lá e se estabeleceu com a família, dando início
ao povoamento, em 1850. O túmulo da fundadora do município, no entanto, está
encoberto por matagal próximo à fenda onde a onça teria dado o salto – hoje um
terminal turístico pouco usado pela população da cidade.
Por ocasião da primeira missa do
povoado, o Vigário de Goianinha (município do qual Santo Antônio foi
desmembrado), Manoel Ferreira Borges, mudou o povoado para Santo Antônio. O
acréscimo de Santo da Onça perseverou por força popular, unindo história e
religiosidade. Mas oficialmente, o município se chama apenas Santo Antônio.
QUADRANTES CULTURAIS
O repórter viajou até Santo
Antônio para atividade outra que não a apuração dos recortes culturais da
cidade. Mas pela congruência entre os afazeres foram possíveis alguns
registros, imagens e histórias dignas de relato. E se a antropologia
desmistifica o fato de uma cultura ser maior do que outra, há na figura do
poeta popular Xexeu e na memória do escultor Chico Santeiro, as maiores
relevâncias da cultura santoantoniense, que viu nascer também o cordelista
Crispiniano Neto. Mas Santo Antônio tem mais:
JOSEFA ALVES DE LIMA, ESCULTORA
Dona Josefa, 74 pouco ouviu falar
de Chico Santeiro. Nem segue o trabalho do maior escultor de maior projeção do
Rio Grande do Norte. Sua atividade é com barro, mas relacionado à louçaria.
Conjuntos para feijoada, pratos, cumbucas, vasos e toda a sorte de peças
utilitárias. A produção é intensa. Segundo ela, uma média de 20 peças ao dia. O
material – o barro – ela busca perto do rio, na propriedade de Manoel Emídio. E
para moldar, tornear e finalizar o acabamento, usa as mãos e ferramentas
rudimentares: uma pedra sabão e uma faca bastante gasta. De resto, é a queima
para do produto para por à venda em feiras livres do município.
ESMERILDO VICENTE, ARTESÃO
Artesão nem deu bola à reportagem
Esmerildo Vicente, 73, é marido de dona Josefa. Escutava um som altíssimo
quando o repórter chegou por lá. Mesmo sob perguntas aos gritos, ele não baixou
o som, respondeu algo inaudível e continuou sua atividade concentrada e
aparentemente tranquila na confecção manual de tarrafas para pesca – rotina de
mais de 40 anos e que lhe rende boa parte do sustento da família. Seu Esmerildo
vende cada peça por 200 reais.
AMÉLIA AUGUSTA DA SILVA, A ANCIÃ
Anciã é adjetivo que combina com
a idade, mas não com o espírito de dona Amélia. Aos 93 anos, ela parece ainda
descobrir a vida. É a mais velha de Santo Antônio. E nada das lembranças
infantis das escolas de base ou coisa que o valha. Esta senhora ingressou na
sala de aula aos 60 anos. E mesmo concluído os estudos, aqui e acolá, quando
está mais disposta, vai sozinha assistir aula só porque gosta. Dona Amélia foi
ceramista durante cerca de 30 anos. Tem peças espalhadas pela cidade inteira.
Antes, como muitos, o trabalho foi na enxada, na lavoura. Segundo ela, é o que
ainda lhe dá força hoje em dia.
“Mestre Tião”, 72, mora na
comunidade de Cajazeiras – uma comunidade quilombola distante 6 ou 7 km do
centro de Santo Antônio. Ele comanda o tradicional Boi de Reis de lá. Tradição
que ficou estagnada no tempo por 40 anos, até que o artista plástico André
Raimundo da Silva resolveu bancar o resgate do folguedo ano passado. E em
Cajazeiras, a tradição recai também na festa da queima do Boi (o pano, as
vestimentas, mas não a carcaça). Acontece sempre em janeiro. Nasceu com a
superstição de que se não queimam o boi, alguém do grupo morre naquele ano – e
o grupo é formado todo ele por parentes. Foi o que mestre Tião aprendeu com seu
pai, Joaquim Inácio de Oliveira.
Adendo: a montanha de feijão
escorada na parede da sala da casa de mestre Tião chama a atenção de quem
chega. É colheita para “mais de ano”. Já seco ao sol, dali o feijão – branco –
é debulhado e armazenado em tonéis de zinco.
CASA DE PEDRA
A Casa de Pedra está situada à
margem da BR, em terras da comunidade Jucá dos Clementes, e onde está fincado o
assentamento Catolé, com cerca de 25 casas. Diz-se que a casa foi construída
toda ela de pedras aparentemente de granito há 250 anos. As informações são
poucas a respeito. Apenas que o construtor comprou a área a um pequeno
proprietário de nome Luiz Paixão. Hoje, a casa está em ruínas, mas com a fachada
em razoável conservação.
Adendo: quem for conhecer cuidado
com os maribondos. O repórter levou uma picada enquanto batia as fotos e a
orelha está mais vermelha que as muitas acerolas encontradas nas casas rurais
do município.
José Gomes Sobrinho, o Xexeu, é
um caso à parte e merecerá matéria exclusiva neste portal. Mas para integrá-lo
ao conjunto de quadrantes, segue outra breve descrição: Xexeu nasceu e vive na
comunidade de Lajes. O caminho até sua casa de taipa, construída por ele há 33
anos é uma sucessão de lombadas pela estrada de terra. O acesso é complicado.
Por lá ele escreve e ainda trabalha na roça – atividade desde criança. Além de
versos que compõem mais de 400 cordéis, também toca rabeca e viola. Conheceu os
maiores nomes da cultura nordestina: Patativa do Assaré, Luiz Gonzaga e Ariano
Suassuna. Este último se declara fã do poeta popular. Xexéu fuma e bebe, e aos
75 anos tem filhos com menos de 5 anos, feitos “já com água por cima da boca”.
Foram 20 ao todo, mas nove já morreram. Diz não ter feito “a matemática” de
quantos netos tem. Mas guarda na memória versos de dezenas de estrofes. E ainda
se emociona ao recitá-los.
Fonte: portalnoar.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário