Uma resenha Crítica
Flow (2024)
Depois de assistir e reassistir a animação Flow, dirigida pelo letão Gints Zilbalodis, posso explanar aqui, nesse espaço, a minha visão sobre essa excelente obra.
Aqui, como em toda parte a água constrói, a água destrói. A água é vida, a água é morte. E como diria o filósofo Tales de Mileto: "A água é o princípio de todas as coisas" ou, em uma forma mais sucinta, "Tudo é água"!
Elaborado de forma meio que silenciosa, poética e profundamente simbólica, movido com ausência de palavras e mais pela força das imagens. Em um mundo inundado por uma enchente colossal, acompanhamos a trajetória de um gato solitário que precisa enfrentar o inesperado e aprender a conviver com outras espécies para sobreviver (A presença de estátuas de gatos mostra o lugar onde ele provavelmente vivia, entre pessoas que tinham o dito felino como sagrado, talvéz! Porém, há tempos não se via presença humana). Tendo que conviver juntos, um gato, um lêmure, uma capivara, alguns cachorros, um pássaro-secretário e uma espécie de baleia que segue o barco, eles têm que ir enfrentando as surpresas que vão surgindo e sem saber o que vem pela frente.
A ausência de diálogos é
substituída por uma narrativa visual intensa, que convida o espectador a
refletir sobre a necessidade de adaptação diante das mudanças da vida — sejam
elas lentas ou abruptas.
A
água, elemento central da história, funciona como metáfora das transformações
inevitáveis que todos enfrentamos. Ela destrói e recria, separa e une,
revelando que a existência está em constante movimento. Assim como os animais
do filme, o ser humano também é desafiado, a cada instante, a se adaptar às
novas realidades. Aqueles que resistem às mudanças, agarrando-se ao que já não
existe, correm o risco de desaparecer — não apenas fisicamente, mas emocional e
espiritualmente. A exemplo do lêmure que se apega aos bens materiais e sofre muito ao ter que deixar para trás, da capivara que vive - quase sempre - na água e agora sofre com água em abundância, dos cachorros que causam confusão e do próprio gato que assiste, indefeso, a inundação da sua casa e do seu lugar. Porém, na cena onde o carnívo pássaro-secretário, ao se recusar a comer o gato, tem a sua asa quebrada e é banido do seu bando. Mesmo assim demonstra postura e, ao mesmo tempo, um sentimento de dever cumprido.
O
diretor constrói essa reflexão através de gestos simples e situações
simbólicas. A ave com a asa quebrada, por exemplo, parece condenada à
imobilidade, mas no desfecho da narrativa ela ascende aos céus, em uma das
cenas mais belas e místicas do filme. Sua elevação representa a superação dos
limites e a possibilidade de transcendência mesmo quando tudo parece perdido.
Já o gato, que em sua natureza teme a água, é forçado a mergulhar repetidas
vezes — e, ao fazer isso, rompe com seus próprios instintos, aprendendo a
coexistir com o imprevisível. Ambos os personagens expressam, de maneiras
distintas, o mesmo princípio universal: só vive plenamente quem se transforma.
A jornada coletiva dos animais — cada um com suas fragilidades, medos e habilidades — reflete a condição humana em tempos de crise. O barco onde viajam funciona como uma alegoria da sociedade: nele, a sobrevivência depende da cooperação, da solidariedade e da aceitação das diferenças. O filme mostra que nenhuma espécie, e por extensão nenhum ser humano, consegue enfrentar sozinho as tempestades da vida. A baleia, que acompanha o grupo durante toda a travessia, simboliza a presença constante do ciclo natural — um lembrete de que tudo tem um fim e que cada fim contém o início de algo novo.
Visualmente
deslumbrante e emocionalmente contido, Flow evita o sentimentalismo fácil. Sua
beleza está na simplicidade e na profundidade simbólica, convidando o
espectador a enxergar a si mesmo nos animais retratados. Ao final, o que
permanece é a certeza de que a existência é movimento, e que resistir ao fluxo
é o mesmo que negar a própria vida. Assim como o gato que aprende a nadar e a
ave que volta a voar, em seu fim, subindo aos céus! Flow nos ensina que a sobrevivência — individual e
coletiva — só é possível quando aceitamos que mudar é a forma mais autêntica de
permanecer. A sociedade que não está disposta ou não consegue mudar estará
fadada a extinção.
Por: Claudianor Dantas
Geógrafo e Bacharel em Administração Pública
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